Um objeto curioso esse Sob a Pele, retorno do realizador Jonathan Glazier nove anos depois de seu longa-metragem anterior. Fadado a dividir opiniões. Diz muito ele ser uma co-produção britânica, refletindo um cinema inglês em permanente crise há pelo menos uns bons trinta anos. Cinematografia essa assombrada por todo um glorioso passado do cinema mais intelectual do restante do continente europeu, e que sempre confundida com a norte-americana por causa da língua inglesa, busca emular o estilo dos seus pares do Velho Mundo. Mas o que é qualidade nos melhores exemplos europeus, irremediavelmente vira no cinema inglês um artifício escancarado revelando as suas escassez de quase sempre. A minimização do enredo, o amparo mais na troca de olhares plácidos do que na construção de diálogos, o uso insistente de uma trilha sonora que se mostra irritante, muita atmosfera na busca de uma sensorialidade pra compensar a falta de aprofundamento, e as repetições incessantes de um filme que mal sai do lugar são percalços que atrapalham o longa de Glazier.
E as situações se repetem sem freios em Sob a Pele. O monstro alienígena na identidade de Laura, uma bela mulher vivida por Scarlett Johansson, atrai homens entre atletas e burocratas com uma facilidade natural que é bastante compreensível, mas que reiterada ao longo de mais da metade do filme ressalta os simplismos de roteiro. Algumas elipses fariam com que alcançássemos as suas mesmas intenções, porém torna-se tedioso rever Laura abordando nas ruas escocesas, com mínimas modificações no que é dito e acontece com uma presa e outra, geralmente oferecendo caronas em sua van numa caça predatória para que os indivíduos sirvam de alimento. Levando-os a afundar numa imagem de alegoria óbvia, representada no homem que naufraga em uma paisagem movediça de um líquido escuro quando se deixa enganar pelo sexo oposto, enquanto a mulher sem coração caminha na superfície. É um equivalente à velha metáfora religiosa da mulher como o Diabo arrastando os homens como uma tentação no deserto, e que já foi bastante aproveitada na pintura e literatura. Em Sob a Pele, é o horror dos encontros fortuitos e da entrega ao desconhecido quando se é levado pelos impulsos sexuais.
O filme expõe ideias, algumas instigantes, para que sejam discernidas facilmente pelo público, porém as trabalha de forma um tanto rala, sem muito desenvolver, julgando que o obscurantismo do roteiro e de suas ações fomente um mistério no espectador. O que é reforçado por suas imagens embaladas como um papel de parede e cujo verniz de superfície é sustentado por firulas de decupagem e sonorização, resultando em uma abstração da linguagem. Cenas como a da praia com a criança terminando por gritar depois que seus pais se afogam na correnteza, tendo Laura assassinado quem socorreria a criança, são pontos isolados que buscam dar um respiro a um conjunto estético sufocado pelos seus limites.
Na sequência de abertura, imagens chapadas remetem a jornada kubrickiana do clímax de 2001: Uma Odisseia no Espaço. Mas o que era uma explosão de genialidade e invenção saídas da mente de Stanley Kubrick e Arthur C. Clark, em Sob a Pele é puro decalque e diluição, confiando na lembrança imediata e no sorriso de cumplicidade do cinéfilo como recurso fácil. Um genuíno artista cria. O que faz um diletante, um realizador pela metade, quando precisa trabalhar em cima de uma cena em específico? Ele retorna ao que foi feito antes, de preferência ao mais icônico que se tenha em mente, e procura repetir o procedimento com algumas variações. Não que o processo de influência deva ser negado e deslegitimado, mas desde que sirva para se forjar algo verdadeiramente novo. Em Sob a Pele certas referências não apenas demonstram suas limitações, como atrapalham estar ali para que não nos lembremos de outra coisa senão de 2001 (no caso do prólogo).
A necessária transição de que o filme precisa para se manter é quando a criatura feminina encontra entre as suas vítimas o rapaz com rosto monstruosamente deformado, numa sequência inegavelmente tensa, que exige que Laura se esforce além do normal para persuadi-lo a uma promessa de sexo. O que provoca um colapso e a desagregação nas certezas da personagem, antes guiada pela exploração sexual em cima de um jogo de interesses, talvez por se reconhecer na feiúra de sua última vítima. O que ainda é pouco convincente, porque colocado a fórceps e mais uma vez sem maiores desenvolvimentos. O problema nem é a falta de explicações, como o apontado na maioria das resenhas a favor e contra o filme, ele apenas foge de desenvolvê-lo melhor (o que se acontecesse poderia acentuar ainda mais o mistério), como se a súbita crise de identidade e tomada de consciência de Laura pudessem ser expressas e medidas em cenas como em que tenta comer pedaços de bolo e não consegue ou quando se observa atentamente no espelho, coisas que dão apenas uma pálida ideia de isolamento ou solidão. Trata-se de insuficiência narrativa, não de síntese. Mesmo a elogiada interpretação de Scarlett Johansson é muito mais um processo de desconstrução de sua imagem do que propriamente de talento (ela já rendeu mais e foi bem melhor dirigida em outros trabalhos). Sob a Pele parece concebido para ser vendido e aceito por rótulos como o de ficção cientifica bizarra, ou mais ainda, ser lembrado como cult − termo genérico criado para designar tanto o melhor quanto o pior em uma forma de arte.
É engraçado como tem filmes que crescem dentro de você com o tempo.
Quando vi Sob a Pele, achei bem bom, mas não coloquei entre os melhores do ano.
Hoje não só penso em colocá-lo como não vejo a minha lista sem ele.
Também só cresce na minha cabeça. Aquela cena final... pqp
OP! Hatters gona hate 😏
O filme só cresce comigo também quando penso nele. Um dos melhores do ano, sem dúvida alguma.