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Críticas

Cineplayers

A história de um poeta que transvê o mundo através das palavras.

8,0

Para conversar com Manoel de Barros a melhor atitude deve ser a que tomou o documentarista Pedro Cezar: para se aproximar do poeta, ele dirigiu sua (des)biografia em tons poéticos, brincando com a imagem da mesma forma que seu entrevistado, que trabalha a similaridade entre arquitetura poética e imagem. Portanto, se este texto tivesse a pretensão de tocar mais de perto este bonito personagem da literatura brasileira, tudo o que fosse escrito daqui por diante deveria vir enquadrado sob função poética. Pena este não ser o espaço adequado para tal homenagem.

Auto-intitulado vagabundo profissional, a quem coube trabalhar apenas o suficiente para a compra da própria "alforria", o poeta Manoel começa sua entrevista contando que comprou o ócio necessário para viver em função dos caderninhos de tomar nota que ele mesmo confecciona. Seu irmão mais novo afirma que ele sofre de disfunção poética afetiva, desligado das coisas práticas da vida, ou seja, com aval para ser um poeta em tempo integral.

De cara, ouvimos Pedro Cezar narrar a tentativa quase frustrada de documentar a trajetória de Manoel. O entrevistado não estava interessado em expôr-se, dizendo que bastava ao cineasta conhecer sua “pessoal letral”, essa expressão com a qual o homem se esconde por detrás da máscara de poeta.

E o entrevistado tem razão, pois se juntássemos uma porção de frases ditas e escritas por ele teríamos a medida de compreensão, senão para entendê-lo, ao menos para esboçar-lhe um retrato a partir das coisas que povoam a imaginação deste senhor de 95 anos que, segundo o documentarista, está vivendo a plenitude de sua terceira infãncia.

Nascido em Cuiabá, e apesar de ter ido ao Rio de Janeiro e à Bolívia nos tempos de estudante, o escritor se mostra bastante ligado à vivência com a natureza. E é nessa relação com o meio em que vive que ele aprimorou sua percepção cotidiana voltando-se às pequenas coisas, num exercício bastante próximo do olhar de um cineasta, ou mesmo de um pintor que se vê intrigado com as marcas deixadas pela permanência / existência de uma pedra. É na prática desse olhar curioso sobre tudo no mundo que Manoel sugere que “as coisas não querem ser vistas por pessoas razoáveis”. O mundo em suas representações pede para ser salvo da pobreza da descrição básica, e é aí que entra o poeta.

Respondendo a questão sobre a diferença entre mentira e invenção é que somos pescados pela rede do escritor, pois no “ideoleto manoelês” (mundo das idéias e jogos de palavras próprios do autor) a invenção é uma coisa que serve para aumentar o mundo. Então fica tudo resolvido se um homem ou mulher se puser a inventar o que não existe para ampliar os próprios horizontes. Segundo conta Manoel, na pequena comunidade em que viveu a infância não existia televisão, acesso a notícias ou mesmo vizinhos, portanto, era preciso inventar coisas a serem contadas porque é da natureza humana contar e inventar histórias.

Pedro Cezar arrisca desenhar algumas imagens e acerta na escolha da trilha sonora, terminado com a canção cujo refrão encontra uma grande verdade sobre o poeta quando diz que “tudo que eu não invento é falso”, frase-síntese que serve para arrematar esta biografia. Somando comentários de  artistas de várias linhas que tiveram suas obras alteradas pela presença manoélica e o encontro com personagens reais presentes na vida do escritor, percebemos o quanto de sua força criativa ter surgido da apropriação, seja das falas do filho quando criança, dos amigos ou da leitura de Padre Vieira, comprovando a afirmação de que inspiração é algo que ele só conhece de ouvir falar.

Como um vidente que é encontrado pelas palavras, Manoel explica que

O olho vê
A lembrança revê
A imaginação transvê

E por isso, o mundo é algo que está aí para ser transvisto e inventado para além do óbvio.

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