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Skull: A Máscara de Anhangá

(Skull: A Máscara de Anhangá, 2020)
6,3
Média
13 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

A brutalidade sebosa e objetiva do horror nacional

8,5

Exemplar brutal do horror nacional como afirmação de possibilidade tácita da nossa capacidade produtiva no gênero. Espécie de slasher sobrenatural baseado na ação e na barbaridade frontais. Caveira pré-colombiana macabra é encontrada e usada em rituais de sacrifício humano, nos quais a mesma adquire consciência – ao possuir um cara – e parte para seu estraçalho pela cidade de São Paulo.

Violência no gore através dos excelentes efeitos práticos, o que não é de se surpreender quando os dois diretores Armando Fonseca e Kapel Furman – além de Raphael Borghi, também na produção – já possuem um histórico pesado nesta área e também conhecidos são pelo programa CINELAB do canal SyFy, que tem o intuito de produzir efeitos especiais com baixo orçamento. Os caras manjam pra cacete. E o longa não alisa na violência.  Aqui não há buscas por inventar a roda ou outros egocentrismos, o direcionamento é franco. Desde o início da fita, num passado não muito distante já monta um usufruto de cores num tom sépia com o ruído necessário na imagem. Simplesmente para marcar a separação temporal. O filme é direto.  Assim vem tensão ajambrada grossamente pela desgraça sobrenatural. Material visualmente excelente dentro desta objetividade. Macabro e nauseabundo. Fotografia em cores fortes, junto ao óbvio e notável uso do vermelho sangue, com muita imundície marcando o filme como defensor duma seboseira primordial da destruição carnal. A montagem dinâmica e a fotografia mantém tudo isso encaixado, e as rápidas e constantes mudanças de foco de câmera causam incômodo aqui e acolá pela inquietude e urgência da trama, inclusive no arranjo da edição dos planos. O Horror. Muitos closes e movimentos de câmera nervosos completam o pacote em eterno agito. Visa à pulsão desenfreada para passar sua mensagem, e nisso funciona muito bem. Altamente cheio das marmotas. Ótimo. 

O caráter convulsionado da obra explicita tensão/tesão na urgência e subdivide-se em alguns núcleos. Monstro destroçando a carne; a investigação da policial viciada nos remédios e de passado corrupto e escuso; o suposto dono da caveira, um milionário com intensões obtusas (o velho e funcional clichê da elite do mal, joia); o padre exorcista kung fu e seu chapa, que muito treinaram a jeito deste confronto e que voltam a ele após um teste de fé. Ou seja, são muitas subnarrativas dentro da usual simplicidade vista no slashers clássicos. O que demonstra mais respeito pelo interesse dos realizadores em compor algo mais decente e trabalhado, mesmo que algumas lacunas fiquem óbvias, como o envolvimento do tal milionário em um sequestro de crianças para futuro sacrifício. Porém, são apenas detalhes num material que, mesmo abarrotado de personagens, consegue manter a força destes núcleos visando fundi-los na última meia hora.

Na ação propriamente escarrada, a fita é uma bruta colagem dos acontecimentos em set pieces do destroçamento delicioso. Entre os tantos não esqueçamos do trucidamento no intercurso da transa, do coito, da putaria. Tão usado no horror. Ora, existe uma história a ser contada em prol do gênero, mas o ponto primordial da obra é a explosão de tripas na tela. A intenção é armar tal esquema que propicie oportunidades para a equipe brilhar em cenas absolutamente dantescas no seu gore. Dando um orgulho da porra dessa turma. Usa bem dalgumas escolhas visuais distintas em determinados momentos, como na luta do padre contra o monstro diante dos vitrais em contraluz, numa disposição até similarmente já vista (apesar de uma aparente especificidade) nalgumas outras obras, mas aqui carregada dum significado de luta sacra contra a porra dum demônio. Mesmo que a iluminação e montagem de uma cena a outra causem leve confusão, não embaça a escolha. Trilha sonora também presente entre o rufar dos tambores e o rock pesado, passando pelo eletrônico da boate ao sax da policial noir dos pobres num apartamento minúsculo e sujo. Tudo buscado em prol da permanência dos personagens num universo sujo, escuso, exagerado e apodrecido, com a figura mais honesta sendo representada pelo próprio monstro Skull. Não como vingador ou qualquer fuleiragem que o valha, mas, sim, como um bruto em ação desenfreada sem subterfúgios humanos que nos são tão caros, já que, em grande parte, somos todos uns bostas nalgum momento – interpretação de doente minha. A sujeirada funciona.

Bom lembrar que o filme alopra em todas as luzes. Seja na noite policial obscura do slasher tradicional e sua vida noturna (como na cena da boate, com uma dose da boa de bestialidade na sangueira, num bom uso do baixo orçamento) ou num cemitério pela manhã e bem iluminado. Aqui não há tantos subterfúgios a esquemas clássicos. A bagaceira ocorre é em toda hora e sem esconderijo, meu amigo. Como a grosseria é abraçada desde o início, tudo funciona bem. Um cinema honesto demais. Maravilha. A falta de delicadeza em algumas escolhas narrativas é uma delícia. Brabeza pura. Desde o corpo com vísceras expostas sendo exibido no noticioso policialesco a um policial burro acreditando que roubo de coração é só latrocínio (ou queima de arquivo noutro momento) somente para ser negativado pela protagonista da investigação. Quando o material assume de vez o exploitation, mais do que permitido, é até obrigatório, aloprar nas escolhas exageradas. Absolutamente desavergonhado nisso. Tá nem aí. Massa demais.

Antes de finalizar este texto, quero ainda fazer mais dois leves adendos. Adendoso primeiro. Atuações altamente exageradas. Algumas bem canastronas e viçosas. Com direito a todo tipo de caras e bocas proferidas por alguns. Isto é reclamação? De forma alguma. A coerência pelo exagero. A intensão é fazer um horror decente e violento, e atuações perfeitinhas como são curtidas por Academia e crítica não são tão necessárias quanto se pensa – aliás, o material aqui encaixa com as escolhas de roteiro, narrativa e ação. Aqui é horror, porra. Adendoso segundo. Usa dalgumas referências clássicas sem buscar imitação ou aprovação de quem quer que seja. As usa para homenagear e crescer como filme. Materiais como Hellraiser - Renascido do Inferno (Hellraiser, 1987) e seu mundo de personagens infernais e sua temática sinistra, e o universo popular e de personagens obscuros do Zé do Caixão – bom lembrar que os efeito viscerais de Encarnação do Dêmônio (2008) do mestre Zé foram capitaneados por Kapel Furman – com suas idiossincrasias dramaticamente nacionais que servem como referência eterna para o cinema da desgraça. E o subgênero slasher como um todo no qual o negócio aqui se encaixa, seja na perseguição pela carne, ou na truculência dum Jason ou Michael Myers sobrenatural. Skull abraça tudo isso mantendo uma identidade altamente própria.

A iracúndia pela impetuosidade move a fita. O tesão pelas tripas. A epistemologia esculachatória da carne despedaçada. Coisa que essa turma manja demais, e aqui queriam montar tal esquema que propiciasse um palco destrutivo, e chamativo, para a objetividade, pela ferocidade. O cinema exige as mais variadas formas de comunicação e a selvajaria é uma das formas mais frontais de se discursar. Ela destrói e só constrói através da ira, sem carinhos ou frescuras. Na mais pura honestidade. E o medo é o meio mais raso e escroto de se manipular emoções, e o cinema nada mais é do que manipulação, então por que não salutar o gênero que faz isso da forma mais direta? Aqui o medo é capitalizado pelo afastamento inicial através do nojo, pelo repugnante, não um medo pelo desconhecido apenas, mas a esqualidez da carne como elemento do medo. Algo primordial nesse tipo de filme, o asco como distanciamento dum espectador que não quer aquilo, mas não desgruda os olhos da tela até sentir a adrenalina da bizarrice toda. As tripas estão na pista. E não aproveitar este talento seria um desperdício sem tamanho. Filmão.

Filme visto no Fantaspoa, transmitido gratuitamente pela Darkflix

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