Um senhor de idade experimenta LSD e o resultado é Skidoo Se Faz a Dois.
Ao final dos anos 60, e próximo do encerramento de sua carreira, Otto Preminger vinha de uma sequência de investigações sobre estruturas e fenômenos sociais pertencentes ao mundo moderno – já havia feito seus filmes sobre a política, a lei, a religião, as mudanças culturais da década de 60 e as forças militares e suas guerras, entre outros assuntos. Cada vez mais desolado e pessimista, resolveu pegar carona na onda peace and love – leia-se: muitas drogas - do movimento hyppie para então arremessar seu olhar sobre a contracultura, talvez se inserindo bem mais do que deveria nesse universo desvairado e libertado de amarras em que a juventude norte-americana do período se jogou.
Por conseqüência deste envolvimento, em diversos momentos Skidoo Se Faz a Dois parece libertar-se da própria narrativa cinematográfica enquanto técnica de expressão e tornar-se uma espécie de caricatura de cinema, correndo riscos que podem soar insanos a quem reconhece em Preminger a precaução cirúrgica de alguém que sempre procurou deixar seu material encontrar saídas para as questões abordadas ao invés de utilizá-lo para justificar idéias pré-concebidas – é provavelmente um dos poucos realizadores que realmente fizeram do cinema uma forma de investigar e compreender o mundo em que viviam, ao invés de julgá-lo forçando a todo custo sua visão das coisas como se fosse algo muito relevante.
Mas, se melhor analisado, Skidoo Se Faz a Dois ser como é faz muito sentido, pois acima de qualquer outra coisa faz parte de um jogo de espelhos. Afinal o que o filme reflete é justamente aquilo que Preminger, após suas experiências com LSD e a imersão neste universo, parece ter descoberto – e concluído - ser o movimento hyppie: um carnaval de muita lisergia e pouco conteúdo. É um filme forrado por embustes, construído sobre uma coletânea de recortes sem grandes conexões entre si, e que sugere a fragilidade dos discursos que representa - porém com tanta classe e sutileza quanto a de um mendigo bêbado comendo caviar no terraço de um resort europeu.
E é realmente difícil tomar algum posicionamento diante do filme. Dizer se é bom ou ruim, certo ou errado, coisas que Preminger procurava evitar ao máximo e que, aqui, nos induz a também evitar. Pode parecer improvável, mas a verdade é que Skidoo Se Faz a Dois, ao mesmo tempo em que soa exageradamente tosco e descontrolado, é absolutamente coerente enquanto filme de Otto Preminger, e diante do peso que isso representa ao analisarmos a filmografia do diretor. Afinal se ele próprio se configura como parte do efeito das drogas que Preminger usava enquanto o desenvolvia, sua falta de foco e de substância soa como uma conversão da experiência em película, como um documento vivo de seu processo de produção.
Hoje em dia praticamente tudo no filme soa exagerado e ultrapassado, o que faz de Skidoo Se Faz a Dois um trabalho esquecido e quase impossível de ser visto - e principalmente de ser analisado - sem ser vinculado ao seu período histórico e às condições em que foi feito. Afinal, o que resta de atemporal em um filme tão específico e anacrônico que, se reparar com cuidado, até cheira a peça de museu? Talvez apenas Grouxo Marx, representante de nosso velho cinema, interpretando um hilário gângster chamado Deus naqueles que naturalmente acabam sendo os melhores momentos do filme. Não me parece ter sido consciente, mas novamente, a despeito de qualquer ideologia, o que torna este filme de Otto Preminger possível sem a contextualização com seu processo de realização é o vínculo mínimo que possui com o próprio cinema.
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