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Críticas

Cineplayers

O maior problema do filme é a filha do diretor, que estraga o talento do pai.

7,0

Com Giuseppe Rotunno comandando a câmera (ele foi o diretor de fotografia de Lucchino Visconti) e Ennio Morricone na trilha sonora, o cineasta italiano Dario Argento tinha não só uma ótima equipe técnica nas mãos como uma excelente idéia de roteiro: uma agente de polícia encarregada de prender um assassino em série sofre da chamada Síndrome de Stendhal, um mal que faz a pessoa sentir vertigens ao ver imagens de grande beleza, como os famosos quadros da história da arte. Ou seja, um prato cheio para o diretor, conhecido pela sua imaginação delirante a serviço de deliciosas aberrações.

Argento só não conseguiu fazer de Síndrome de Stendhal, o filme, sua obra-prima porque cometeu o erro de convocar para o papel principal sua filha, Asia Argento. Luis Carlos Merten, no jornal O Estado de São Paulo, escreveu que se pode dizer tudo sobre Asia Argento, menos que ela seja uma atriz. Incapaz de representar nem a força nem a fragilidade da personagem, muito menos sua atribulada mente atormentada pela beleza descomunal da Itália, Asia afunda imperdoavelmente o filme do pai, considerado um dos mestres do terror.

É no mínimo curioso ver o pai dirigindo a filha nas cenas de estupro. São duas, bastante violentas, com sangue jorrando, uma vez que o assassino a fazia mastigar uma gilete durante o ato sexual forçado, fazendo-a cuspir saliva embebida de sangue e pedaços da sua língua e gengiva. Entre murros, socos, ofensas e vários outros cortes com lâminas, além do ato sexual forçado em si, Argento mostra a filha seminua, suada e aos berros, desesperada e enlouquecida, gritando alucinada na espera de socorro, enquanto o louco lhe retalha a face.

Síndrome de Stendhal passava nas tardes da Rede Bandeirantes na defunta sessão de filmes trash que fazia a diversão da garotada que estava em casa no horário. Para a grande maioria do público, Argento é tão somente um cineasta B de filmes incompreensíveis e imagens carregadas de um kitsh violento, extravagante e confuso. De fato, os roteiros dos filmes de Argento são mesmos falhos (ele os escreveu em sua maioria), uma vez que o diretor se concentra mais no clima do que na história.

Em Síndrome de Stendhal, o filme todo parece um delírio, um pesadelo, uma viagem metafísica em que os monstros assustadores são, em vez de extra-terrestres deformados, assassinos impiedosos ou facínoras descomunais, belíssimas obras de Goya, Rafael, Caravaggio e Géricault, com seus contornos obscuros e cenas violentas, representativas do desespero humano ou de momentos históricos banhados a sangue, terror e sofrimento.

Com imagens carregadas de sombras, Argento sugere bastante, mostrando pouco as vítimas do assassino, para explodir depois, conforme descrito acima, nas cenas da filha, em cenas longas, detalhadas e bem iluminadas – a final, então, no Museu Uffizi, de Florença, é um antológico banho de sangue para masoquista nenhum botar defeito.

Com algum dinheiro para os efeitos especiais (o filme foi financiado em parte por uma produtora americana), mal feitos e nem um pouco críveis, mas bastante inteligentes e simbólicos, Síndrome de Stendhal traz o canastrão e modelo italiano Marco Leonardi (conhecido como o mexicano de Como Água para Chocolate) como o namorado também policial da personagem de Asia que será estuprado por ela, numa cena bastante curiosa, pois a cidadã começa a desenvolver um certo fascínio pelo próprio sangue que pinga depois de cortes com lâminas.

Como em Um Corpo que Cai, de Alfred Hitchcock, o filme “termina” depois de uma hora de duração e recomeça ainda mais interessante. A personagem recusa-se a tirar, por meio de uma cirurgia plástica, a macabra cicatriz de seu rosto. Psicologicamente perturbada, mas aparentemente curada da síndrome, apaixona-se por um estudante de arte francês, ele próprio a representação da beleza clássica das antigas estátuas greco-romanas. Nunca a beleza foi tão sinistra, tortuosa e ambígua. A atração física que ela sentia pelo rapaz era tão forte como a repulsa e o pavor delirante que ela mesmo, a beleza, produzia nela, como se estivesse sendo atraía para uma espécie de abismo sádico.

A inteligência e a grande arte de Dario Argento aparece aqui – nem mesmo a filha, que não consegue nem mesmo fumar diante de uma câmera, estraga o talento desse diretor único, injustamente relegado ao segundo plano por se dedicar a um gênero, o terror, que não pode, segundo os padrões artísticos, ser grande para a arte cinematográfica.

Comentários (1)

Victor Ramos | terça-feira, 03 de Janeiro de 2012 - 15:10

Grande texto.🙂

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