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Críticas

Cineplayers

Longe de ser uma obra-prima e talvez não tão relevante quanto na época de seu lançamento, mas um thriller ainda eficiente e bem construído.

7,5

Quando se fala em Michael Douglas, a primeira imagem que surge é a do astro de diversos sucessos das décadas de anos oitenta e noventa, principalmente no papel de galã ao lado de estrelas deslumbrantes. O que muita gente esquece, porém, é que a primeira vez que Douglas chamou a atenção de Hollywood não foi em frente às câmeras, mas no papel de produtor. Em 1975, ainda buscando fugir da sombra de seu pai para conquistar seu próprio espaço na indústria, o ambicioso jovem levou às telas aquele que se tornaria um dos maiores clássicos do cinema norte-americano, Um Estranho no Ninho – até hoje, um dos poucos filmes vencedores das cinco principais categorias do Oscar.

Com a bem-sucedida experiência, Douglas passou a procurar um novo projeto. E ele surgiu na forma de Síndrome da China, um roteiro que alertava a população sobre os perigos da utilização da energia nuclear, assunto polêmico em 1979. Na trama escrita a partir de uma série de fatos reais, Jane Fonda interpreta a jornalista Kimberly Wells, que, junto ao seu cinegrafista Richard Adams (Douglas), testemunha um grave acidente em uma usina nuclear. Quando a emissora se recusa a veicular as imagens, os dois decidem investigar mais a fundo a questão, contando com a ajuda de Jack Godell (Jack Lemmon), supervisor da usina que descobre falhas graves de segurança.

Escrito por Michael Gray, T.S. Cook e com retoques do próprio diretor James Bridges, A Síndrome da China chamou a atenção na época de seu lançamento graças a uma bizarra coincidência: trezes dias após sua estreia, ocorreu um grave acidente em uma usina nuclear na Pensilvânia. O evento fez com que os holofotes se virassem ainda mais para a produção, que fez certo sucesso e ainda conquistou quatro indicações ao Oscar (atriz, ator, roteiro adaptado e direção de arte). Hoje, mesmo que o tema não desperte mais tanta discussão e que o filme tenha certas opções narrativas que não envelheceram bem, Síndrome da China se sustenta bem como um thriller eficiente, contando com uma direção segura e boas interpretações de todo o elenco.

O grande mérito tanto do roteiro quanto da direção de Bridges é  conseguir equilibrar bem as duas estruturas da história: a primeira envolvendo a já citada questão nuclear e a segunda que analisa os bastidores do jornalismo. Síndrome da China é construído não somente com uma mensagem relevante sobre os perigos da utilização da energia nuclear, mas também como um conto a respeito da ética no jornalismo. Isso porque, mesmo que o acidente na usina seja o ponto de partida para a trama, é o esforço dos protagonistas para levar a matéria a público o que realmente faz a história andar adiante. Dessa forma, Brigdes – apoiado pelo ótimo elenco – coloca seres humanos como centro da obra, escapando da armadilha de se ver preso aos termos técnicos envolvendo o acidente e, por consequência, gerando interesse do público naquilo que irá acontecer no filme.

O grande núcleo da trama envolvendo o jornalismo é Kimberly Wells, interpretada por Jane Fonda. A atriz é hábil ao demonstrar a vulnerabilidade da personagem e fazer com que o espectador se importe com ela, mas o roteiro pouco oferece sobre Wells além de apresentá-la como uma jornalista ambiciosa que enxerga no caso a oportunidade de mostrar um trabalho sério – ou seja, um clichê em histórias de jornalismo. Comentário semelhante vale para Michael Douglas e seu personagem. No início do filme, Richard Adams larga alguns comentários críticos a respeito da energia nuclear, o que passa a ideia de que seu personagem será o responsável por gerar discussões sobre a validade desse procedimento. Infelizmente, isso acaba sendo deixado de lado no desenrolar da trama, quando Richard pouco faz além de ser o cara que acompanha Kimberly Wells.

Dessa forma, o grande personagem de Síndrome da China é o de Jack Lemmon. Mesmo que a investigação de Kimberly Wells faça o enredo andar adiante, são os dilemas morais enfrentados por Jack Godell que deixam o filme interessante. Solitário, o supervisor da usina dedicou a vida ao seu trabalho, mas se encontra diante de dificuldades quando percebe que a segurança foi deixada de lado em prol da ganância. A encruzilhada na qual Godell se encontra é tão bem representada por Lemmon que a plateia jamais chega a questionar as atitudes finais do personagem: sua mudança de postura após uma total desilusão com aquilo que sempre acreditou se expressa de forma extraordinária em cada linha do rosto do veterano ator.

Assim, apresentando personagens com os quais a plateia se preocupa,  Síndrome da China consegue envolver e, em seu ato final, gerar momentos de grande tensão. Em uma opção que se revelou inspirada, Bridges optou por não utilizar qualquer espécie de trilha sonora acidental; todas as músicas e sons presentes no filme são diegéticos, acontecidos na realidade da trama. O silêncio nas cenas mais empolgantes acaba por exponenciar o nervosismo do espectador, como se ele se encontrasse diante dos mesmos problemas que os personagens. Além disso, o já citado terceiro ato ainda merece aplausos em sua montagem, que intercala três acontecimentos simultâneos em uma nervosa e tensa corrida contra o tempo.

E é principalmente graças à tensão que Síndrome da China é lembrado até hoje. Sim, o filme possui comentários pertinentes sobre a questão nuclear e aborda de forma interessante a ética jornalística, mas, em sua essência, é um thriller muito bem executado e que prende a atenção do espectador por duas horas sem dificuldades. Não é o melhor filme da carreira dos envolvidos e, talvez, a sua relevância não seja tão grande hoje em dia, porém, funciona muito bem durante suas quase duas horas.

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