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Críticas

Cineplayers

Grande clássico do cinema, traz influência do cinema italiano para Hollywood, além de abordar macartismo e consolidar método de atuação.

10,0
No ano de 1954, o cinema norte-americano foi tomado de assalto por Sindicato de Ladrões. Ainda que na verdade tratasse de uma grande produção engendrada pelo diretor de estúdio judeu Sam Spiegel (que posteriormente foi responsável por produções colossais como Lawrence da Arábia), o filme trazia novos elementos ao grande cinema hollywoodiano. É, possivelmente, um dos filmes do cinema norte-americano que carrega mais influências (temáticas e estéticas) do movimento intitulado Neo-Realismo italiano – que foi acima de tudo uma forma de se fazer cinema, empregada pelos cineastas da Itália no período que compreende os fins da Segunda Guerra Mundial e diretamente os anos pós-guerra, priorizando o realismo, o baixo-orçamento, sobretudo levando às telas a situação de uma nação e de uma sociedade devastada.

Na trama de Sindicato de Ladrões, Terry Maloy (Marlon Brando), ex-pugilista fracassado que, por orientação do irmão mais velho Charley (Rod Steiger), acaba trabalhando no sindicato dos portuários de Nova York – uma ocupação braçal voltada à classe operária. Entretanto, como diz a tradução de Portugal para este título, “há lodo no cais”. Está instalado todo um esquema de corrupção, crime, extorsão por parte do sindicato. Escalado para atrair um delator para uma armadilha (que acaba sendo morto), Terry é levado a um dilaceramento moral, uma reflexão ética, uma fragmentação entre a realidade do trabalho no cais de Nova York e sua consciência com pendor para valores éticos – ainda que seja um simples “vagabundo” da classe operária sem perspectiva alguma de futuro, como auto define-se o protagonista em cena tocante interpretada por Marlon Brando – certamente uma das mais importantes e reprisadas da história do cinema.
 
Um aspecto determinante neste filme deve-se a tentativa de imprimir na arquitetura do quadro, nas locações e tomadas externas, a impressão de realidade. Já a primeira cena de Sindicato de Ladrões a este apelo: homens saem enfileirados de um barraco no cais, com navio ao fundo, numa região degradada, assim como nos filmes neo-realistas. Igualmente não é um cenário, mas uma tomada feita em locação na região portuária. O realismo das imagens, com seus personagens em roupas sujas e abarrotadas, o frio real nas ruas geladas do inverno nova-iorquino, tudo isso era novidade para o cinema de Hollywood. Mais do que isso, era o legado do Neo-Realismo com uma roupagem norte-americana. Sindicato de Ladrões é um filme que responde às incertezas e desilusões do povo norte-americano na virada dos anos 40 para os anos 50, levando para as telas tanto a discussão sobre o compromisso com a verdade, bem como o conceito de “verdade cinematográfica", até pela estética neo-realista empregada. Há também a discussão sobre o significado incerto das certezas, tema que o diretor deste filme, Elia Kazan, já havia abordado também com Marlon Brando em Viva Zapata!, apenas dois anos antes.

Assim como nos filmes Neo-Realistas, é marcante neste filme a caracterização realista dos espaços e, sobretudo, dos personagens. O protagonista está longe de ser um herói virtuoso do cinema clássico americano. A atuação de Brando neste filme é comumente apontada como marco do cinema, sobretudo por cristalizar e consolidar no cinema o método de atuação que vinha ganhando espaço nos EUA, especialmente em Nova York, onde o Actor’s Studio e o Group Theatre davam continuidade as ideias propostas pelo teatrólogo Constantin Stanislavski. Brando, que era discípulo do Actor’s Studio e do método de atuação realista de Lee Strasberg, trazia no filme à tona sua experiência pessoal, a sua emoção de indivíduo para o personagem, algo que conferiu um tocante senso de “verdade” e “realidade” para as atuações do filme, em especial na sequência na qual ele e Rod Steiger conversam no banco de trás de um táxi. Já na concepção do personagem já é possível notar paralelos com o Neo-Realismo. No italiano Ladrões de Bicicleta (1948), para exemplificar, o protagonista, igualmente um empregado da classe operária sem perspectiva alguma de vida, vê em meio a crise o dilema, de seguir honesto ou aderir ao crime, a corrupção, tendo de arcar com as consequências impostas pelas circunstâncias do contexto em ambas as escolhas.

Porém, é certo que, entendido como uma obra de arte, um filme jamais é simplesmente um discurso literal, mas uma narrativa simbólica que lida com valores e concepções de mundo. Ser conivente com a ética e a moral em benefício de um grupo, ou em benefício do todo? Talvez, Sindicato de Ladrões seja um reflexo da vida do próprio diretor Eliza Kazan. Dois anos antes do filme, o diretor havia vivenciado uma situação semelhante na vida real. Assim como o personagem interpretado por Marlon Brando inclina-se à ideia de delatar seus colegas a fim de fazer justiça, o cineasta, por motivos não totalmente esclarecidos também achou por bem passar o nome de companheiros comunistas e simpatizantes (Kazan havia sido membro do partido comunista nos anos 30) para o famigerado “Comitê de Atividades Anti-Americanas”, liderado pelo senador Joseph McCarty entre 1948 e 1956. Oportunista, o político percebeu o temor de uma guerra nuclear entre a União Soviética e os Estados Unidos e promoveu a tal “caça às bruxas”, como ficou conhecido o período negro da história do país, no qual a liberdade individual era mutilada pelas prisões e represálias. Entre as personalidades do cinema que foram perseguidas, estão nomes de peso como Humphrey Bogart, Dalton Trumbo e Charles Chaplin.

Não se sabe ao certo se com Sindicato de Ladrões Elia Kazan queria se redimir ou então legitimar o seu ponto de vista e suas atitudes na vida real. Foi um grande sucesso, ganhador de 8 Oscars em 1955, inclusive melhor filme e diretor. Mas, de qualquer forma, é fato que o filme é um retrato realista da nação americana do pós-guerra, no início dos anos 50, nitidamente influenciado pelo Neo-Realismo, seja em sua estética, suas tomadas, locações e montagens, seja pela composição do personagem, fragmentado entre dilemas morais, tal qual o autor deste filme.

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