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Críticas

Cineplayers

Excelente documentário acompanha a vida de Wilson Simonal, e com vasto material de arquivo e depoimentos interessantes, tenta resgatar um artista esquecido pela MPB.

9,0

Simonal - Ninguém sabe o duro que Dei, documentário dirigido por Claudio Manoel, Calvito Leal e Micael Langer, acompanha a carreira de Wilson Simonal, cantor muito popular na década de 60 e 70 e que teve seu nome apagado da história da MPB. O filme busca reconstruir a trajetória do mito, e como ele foi desconstruído, buscando uma boa e saudável reflexão sobre a parcela de responsabilidade que Simonal teve em sua decadência.

A forma linear de contar essa história foi muito acertada e possui basicamente três atos: o auge da fama, o incidente com a ditadura e busca pela redenção. A narrativa não se prende na infância, e nem em como Simonal conquistou sua popularidade. Informa que de cabo do exército virou cantor, o que certamente colaborou para o seu desfecho, mas boa parte do começo do filme serve para mostrar algo ainda mais importante: um cantor brilhante, com o dom de “orquestrar” seu público, de um carisma ímpar e uma voz sensacional. Mais impressionante que os depoimentos (todos muito interessantes e contribuem bastante para a evolução da narrativa) são os vídeos de arquivo, que não deixam dúvidas sobre o talento do artista. O trecho em que Simonal divide o palco com Sarah Vaughan é digno de se aplaudir no meio do filme, e os diretores parecem conscientes disso, ao colocar este na íntegra.

Uma coisa bastante interessante é perceber o tratamento dado a esse material de arquivo. Muito bem restaurado, com um acabamento difícil de se encontrar em documentários brasileiros, é também tratado com bastante respeito. Todos os entrevistados têm algo interessante a dizer sobre Simonal, mas ninguém fala melhor do que ele próprio. É um daqueles casos em que a pessoa se sobressai, Simonal é maior do que o filme em si, e da mesma forma como ele conquistava as multidões, o público do documentário está totalmente entregue quando chegamos ao auge de sua carreira, com o show no Maracanã em que Simonal “abre” para Sérgio Mendes.

Ao nos depararmos com o ponto crítico da história, quando Simonal comete o maior erro de sua vida, e é acusado de torturar seu ex-contador Raphael Viviani com a ajuda do DOPS, nada parece abalar a convicção de que ele foi injustiçado, de que tudo não passou de um mal entendido. É quando nos deparamos com uma entrevista chocante do torturado, e as acusações de ser alienado, bronco, alguém simplesmente tentando aplicar um “corretivo” em um desafeto ganham contornos assustadores.

Simonal passou o resto da vida tentando provar que não era delator da ditadura, e tentando recuperar um posto que era seu de direito na história da MPB. Mas ainda assim, é difícil perdoar o cantor pela omissão e aceitação com o que ocorria a sua volta. Uma coisa é ser alienado, erro perdoável. Outra coisa é presenciar e participar de uma sessão de tortura no DOPS, onde presos políticos morriam. Seja como for, inocente ou culpado, Simonal pagou com a sua carreira e com a sua saúde, e um dos pontos altos do filme é levantar essa reflexão: o preço pago foi alto demais? Se até quem torturava no dia-a-dia, como prática de vida, conseguiu ser anistiado, por que não perdoaram o Simonal?

O terço final do filme, onde o cantor precisa se despir da arrogância costumeira que o caracterizou no auge, e precisa lidar com as conseqüências dos seus atos, e em como isso afetou a sua família, é especialmente emocionante. É compreensível entender quem atirou as pedras, quem não perdoou, mas não dá pra dizer que Simonal teve o final que mereceu.

A redenção que Simonal tanto queria acaba surgindo com o filme, é o final feliz que não teve em vida. Independente do que aconteceu, a história da música brasileira ganha bastante o trazendo de volta, e celebrando novamente a sua importância. E cabe à mídia em geral, que outrora o renegou à exclusão, relembrar seu verdadeiro valor. O artista merece, e o público também.

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