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Críticas

Cineplayers

Um drama profundo, contado de forma bastante divertida e regado com os melhores vinhos possíveis.

8,0

Em seu trabalho anterior, o sensível diretor Alexander Payne já demonstrara uma rara qualidade de mesclar drama e comédia na mesma história, sem que um ridicularizasse o outro. Mesmo sem contar com um monstro das telas como Jack Nicholson, como em seu As Confissões de Schimidt, o diretor conseguiu conduzir sua mais nova obra por um caminho tão correto que acabou conquistando um considerável respeito em pouquíssimo tempo de vida. Com Sideways - Entre Umas e Outras, Payne traz um filme mais leve e acessível a todos. Ele prova que uma comédia pode ser inteligente, com conteúdo, de personagens profundos e, ainda por cima, ter momentos que te fazem realmente rir.

Miles (Paul Giamatti) é um insatisfeito professor ginasial de inglês, que sofre de uma profunda depressão por um casamento mal resolvido à dois anos e tenta, a todo custo, publicar um romance autobiográfico, já recusado outras vezes pelas editoras. Quando seu melhor amigo Jack está para se casar, ambos decidem viajar juntos para realizar uma despedida de solteiro diferente: uma maratona, de uma semana, provando os melhores vinhos feitos na Califórnia. Ao mesmo tempo que dividem garrafas e mais garrafas de invejáveis vinhos, duas inesperadas mulheres surgem na vida de Miles e Jack, fazendo-os reavaliar os rumos que suas vidas estão tomando.

Assim como Moça com Brinco de Pérola presenteou os fãs de artes com uma belíssima representação cinematográfica de como é pintar um quadro, Sideways esboça perfeitamente como funciona o coração de uma pessoa amante de vinho. Mesmo sem gostar da bebida, nos apaixonamos por ela simplesmente por Miles se expressar tão bem. Ele é um fanático por vinho, profundo conhecedor, e isso está perfeitamente representado na tela. Mesmo com tantas marcas sendo pronunciadas a todo instante (todas reais, escolhidas pelo próprio Alexander Payne), você nunca se sente perdido ou entediado. Isso porque o vinho passa a ser o quinto personagem principal da trama, não sendo apenas um enchimento para uma história bobinha e ingênua.

Prepare-se para aprender muita coisa sobre ele, desde como reconhecer o que há em sua composição até como aproveitar ao máximo o prazer que ele pode conceder, como pelo cheiro, por exemplo. O vinho serve para ligar o personagem Miles com Maya (Virginia Madsen), já que ambos dividem a mesma paixão, e serve como ponto de partida para ele poder alterar os erros de sua vida. Miles é uma pessoa sozinha, que não consegue embarcar em outro relacionamento por ainda amar sua ex-esposa Victoria (Jessica Hecht), e é justamente esse o ponto escolhido pelo roteiro para dar uma nova chance a ele; uma nova chance de voltar a viver.

Apesar de falar de relacionamentos, não é cru como Perto Demais, mas isso não quer dizer que não seja real. A necessidade da traição, os problemas que a solidão acarretam, a amizade, tudo isso é discutido no filme. Os personagens estão na situação que estão não por obrigatoriedade, e sim por não conseguirem ser diferentes. Eles são o que são. É o tipo de coisa que um não pode julgar o outro e, mesmo que não seja original, funciona bem devido ao modo como tudo é construído.

Ao contrário do que a maioria dos filmes intitulados 'comédias inteligentes', Sideways tem alguns momentos que lhe fazem realmente rir. Não é apenas um sorrisinho simpático no canto da boca, são gargalhadas mesmo. Não é o tipo de piada física, e sim atitudes extremamente loucas que nossos protagonistas tomam, mas sem nunca soarem artificiais ou forçadas. É o tipo de coisa que você ri pela solução que o personagem encontra, e não um resultado extremo de algo que ele tenha feito. É o que eu diria de real comédia inteligente: a que não apela para clichês para fazer rir, com uma identidade própria e aproveitando a falta de capacidade que seus personagens tem para fazer certas coisas. São cenas bem inseridas no contexto para balancear a carga dramática da história, que nos fazem simpatizar com seus dramas e, o mais importante, não julgar suas atitudes.

O vinho é utilizado até mesmo em prol da fotografia, pois alguns belíssimos quadros aproveitam desde plantações de uvas até uma imensa adega para compor belas imagens. A edição é linear, separando os acontecimentos pelos dias que eles acontecem (aparece um letreiro dizendo o dia da semana entre um e outro), mas com um pequeno problema de ritmo em certos momentos - ocasionado também pelos constantes diálogos. A trilha sonora é apenas funcional. Falta um tema forte, como por exemplo o de Perto Demais, que você se pega cantarolando-o mesmo após horas, ou dias, de ter visto o filme. É para preencher uma cena ou outra e pronto, nada mais.

Além de ter faturado o Globo de Ouro de Melhor Filme em Comédia ou Musical e Melhor Roteiro, Sideways - Entre Umas e Outras foi indicado ainda em outras cinco categorias do Oscar. É um filme bem estruturado, balanceado e, assim como o vinho, pode ser degustado de várias maneiras. Não vá esperando um drama intenso ou uma comédia que o fará chorar de rir. Sideways é lento, divertido, mas, acima de tudo, profundo. Você vai se identificar com Miles e todo o seu sofrimento interior, sem que isso soe entediante durante a projeção. Mais uma vez Alexander Payne consegue misturar sensibilidade com diversão, sem que o gosto se torne amargo. Só isso já é um feito para se aplaudir de pé.

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