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Críticas

Cineplayers

Levemente superior ao primeiro filme, mas sofrendo com os mesmos excessos e pretensões.

5,5

Quando Guy Ritchie anunciou que comandaria uma reinvenção de Sherlock Holmes nas telas de cinema, muita gente torceu o nariz. Afinal, a capacidade de raciocínio e a fleuma do detetive mais famoso de todos os tempos nada tinham a ver com a linguagem cinematográfica moderna e repleta de trucagens do cineasta inglês. Ainda assim, Ritchie não se abalou com os comentários e, em Sherlock Holmes (idem, 2009), entregou uma nova versão do investigador: ainda incrivelmente sagaz e inteligente, mas agora também um herói de ação, capaz de enfrentar diversos inimigos com o próprio punho e realizar proezas que Sir Arthur Conan Doyle provavelmente jamais teria pensado para a sua criação mais célebre. Sacrilégio ou não, o fato é que o filme, beneficiando-se também da crescente popularidade de Robert Downey Jr, foi um sucesso mundial e, na terra dos sonhos de Hollywood, isso tem sempre um único significado: sequência à vista.

Novamente dirigido por Guy Ritchie e estrelado por Downey Jr. e Jude Law, Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras (Sherlock Holmes: A Game of Shadows, 2011), dessa vez, traz o detetive às voltas com o seu maior arqui-inimigo: o Professor James Moriarty, a maior mente criminosa da Europa. A nova história, porém, não esconde que a continuação se trata de um filme pouco ousado, por não buscar qualquer espécie de evolução ou novidade em relação ao seu antecessor. Na realidade, Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras prefere apostar na segurança e trazer novamente aquilo que já foi apresentado ao público no longa de 2009: um personagem carismático e jocoso, uma trama que não faz muito sentido e muitas sacadinhas de edição para desviar a atenção de plateia de que tudo aquilo não tem muito sentido.

E brincar com suas imagens é o que Richie faz de melhor – ou, ao menos, o que ele mais gosta de fazer. Ainda que seus maneirismos tenham dado certo em Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes (Lock, Stock and Two Smoking Barrels, 1998) e Snatch – Porcos e Diamantes (Snatch, 2000), filmes que o tornaram famoso, em Revolver (idem, 2005) e Rocknrolla – A Grande Roubada (Rocknrolla, 2008), pelo contrário, pareceram excessivos, truques para encobrir as fraquezas dos roteiros. O mesmo, aliás, valia para a primeira aventura de Sherlock, que trazia uma trama confusa mascarada por um filme em constante movimento, o que ocorre novamente nesta sequência: trata-se de uma produção cinética, transbordando com linguagem pop, onde não há uma cena contemplativa ou de reflexão – até mesmo os momentos que ilustram o raciocínio dedutivo de Holmes são embalados em uma edição acelerada.

Adepto da nova escola de diretores que acreditam estar nos cortes rápidos a eficácia de uma boa cena de ação, Ritchie acaba prejudicando alguns trechos da produção com seu estilo de videoclipe, especialmente as sequências de luta, nas quais é difícil entender o que está acontecendo. Por outro lado, há momentos nos quais a interferência do cineasta realmente ajuda a tornar a cena mais interessante, como toda a sequência do tiroteio na floresta: ao invés de um mero exercício de estilo, a câmera lenta e a mudança na velocidade das tomadas reforça a tensão do momento, funcionando tanto em função de sua plasticidade como para fazer a platéia compreender os acontecimentos de toda a situação. Aliás, verdade seja dita: por mais que Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras traga Ritchie massageando seu próprio ego a cada minuto, a verdade é que o cineasta deixa espaço para um pouco mais de desenvolvimento dos conflitos centrais da história, especialmente aquele envolvendo Holmes e Moriarty.

Na realidade, esta é a grande força da obra. Ao contrário do que acontecia no primeiro filme, quando o protagonista não tinha um adversário à altura, Moriarty é desenvolvido pelo roteiro de Michelle e Kieran Mulroney como o antagonista definitivo de Holmes, dono uma mente tão brilhante quanto a do detetive, e capaz, inclusive, de estar quase sempre um passo à sua frente – “O tamanho do meu horror com os seus crimes só se equipara com a admiração pela inteligência com a qual você os comete”, diz Holmes em determinado momento. Interpretado de forma ameaçadoramente gélida por Jared Harris, o personagem protagoniza os melhores momentos do filme ao lado de Holmes, quando promovem verdadeiros duelos de inteligência e onde o roteiro e a condução de Ritchie ajudam a reforçar este aspecto: a primeira destas cenas ocorre durante um jogo de xadrez, com a partida representando a preparação de ambos para o clímax do filme, e a segunda logo depois, quando a ideia da capacidade de Holmes prever os movimentos do oponente antes de uma luta é aproveitada também para Moriarty, transmitindo de forma eficaz a equivalência do intelecto de ambos.

E sempre é interessante acompanhar um personagem inteligente, mesmo que este diferencial não seja tão bem explorado – e Sherlock Holmes, com sua esperteza e rapidez de raciocínio, garante alguns bons momentos à produção. Tanto Downey Jr. quanto o roteiro conseguem captar bem o constante trabalho da mente do protagonista: enquanto o ator demonstra, através de pequenos movimentos de olhares, captar tudo o que está à sua volta assim que entra em uma sala, o texto traduz esta capacidade de Holmes através de diálogos, como quando a cigana Sim pergunta a ele “O que está vendo?”, ao que o detetive responde: “Tudo. Essa é a minha maldição.” Assim, quando, em determinado momento, Ritchie dá destaque a uma planta e um livro em um close, o espectador sabe que alguma associação está se passando na cabeça de Holmes - mesmo que, em boa parte das vezes, isso ocorra em uma montagem tão rápida que pouco se entende.

É uma pena, no entanto, que a sagacidade do roteiro presente nestes momentos não seja vista na maior parte da produção. Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras, na verdade, é um filme que se acha mais inteligente e cool do que realmente é, esquecendo-se de que não é inovador no estilo, tem um roteiro sem muita lógica e até mesmo a remodelagem do protagonista já foi vista no longa anterior. Assim, boa parte dos diálogos, especialmente aqueles entre Holmes e Watson, são de piadinhas e gracejos gratuitos, que jamais soam naturais, passando a ideia de que Downey Jr. e Law estão apenas declamando falas para mostrarem como são inteligentes. O mesmo, por sinal, vale para as tentativas de humor: por mais que elas estejam presentes durante quase toda a produção, poucas são realmente capazes de garantir o sorriso da plateia – algumas, inclusive, são meras reedições de gags vistas no primeiro filme.

Como se não bastasse, o próprio enredo é incrivelmente tolo e raso, desde os planos do vilão até a própria investigação de Holmes e Watson. A plateia dificilmente vai se cansar ou desistir do filme em função do ritmo vertiginoso garantido pela mão de Ritchie, mas quem parar para pensar sobre o que está assistindo verá que as revelações e as descobertas da dupla são rápidas ou fáceis demais, muitas vezes nem mesmo justificando como eles foram do ponto A ao ponto B. É interessante notar ainda, no roteiro, como o contexto homoerótico (apontado por muitas pessoas como um dos elementos do primeiro filme) aqui surge muito mais exacerbado. No entanto, esta questão parece mais uma brincadeira dos responsáveis do que um artifício com utilidade prática na narrativa, uma vez que não leva a lugar algum.

Cada vez mais à vontade como astro do primeiro escalão de Hollywood, Downey Jr. traz novamente a Holmes sua combinação de ar blasé com charme, uma mistura que tem sido perigosamente repetida em seus papéis. Talvez por essa sensação de preguiça, o trabalho do ator oscila entre o eficaz e o presunçoso – ainda que esta segunda seja uma característica do personagem, Downey Jr. parece atuar no piloto automático, simplesmente deixando aflorar a persona cool que construiu nos últimos anos. Enquanto isso, Jude Law faz o que pode no papel de Watson, ao mesmo tempo em que o talento de Rachel McAdams é mais uma vez desperdiçado na série. Já Noomi Rapace não recebe o tratamento necessário para demonstrar o talento que a levou ao estrelato após incorporar Lisbeth Salander em Os Homens que Não Amavam as Mulheres (Män Som Hatar Kvinnor, 2006) e suas continuações, porém, ainda assim, a atriz não fica deslocada em uma grande produção de língua inglesa, demonstrando que pode ter uma boa carreira internacional.

Pecando por apostar mais nos excessos visuais gratuitos do que na inteligência, Guy Ritchie faz de Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras um filme ágil, jamais cansativo, mas sempre afetado, voltado a plateias acostumadas à linguagem de consumo rápido que domina a indústria do cinema. O grande problema não é nem mudar a essência do personagem, mas, sim, não conseguir ao menos fazer uma diversão recomendável dentro dessa nova abordagem.

Não que faça diferença, pois, com o sucesso, certamente mais uma sequência vem aí. Elementar, não?

Comentários (13)

Liliane Coelho | segunda-feira, 23 de Janeiro de 2012 - 17:12

"Sendo do mesmo nível do primeiro vale o ingresso." [2]

João Júlio | terça-feira, 24 de Janeiro de 2012 - 19:25

é bemmmm melhor q o primeiro, e o final é fantástico!

Caio Gouveia | sexta-feira, 27 de Janeiro de 2012 - 08:47

Não curto mto essa versão do personagem, apesar dos filmes serem até divertidos. Mas ele foca mais a ação e o humor, deixando de lado o mistério e a inteligência dedutiva dele (característica mais marcante).

Recomendo aos q gostam de Sherlock Holmes, a acompanharem a série Sherlock, da BBC. Mistura de tudo um pouco...suspense, mistério, humor (esse sim, mais acidental e não forçado), drama. Mto bom mesmo.

Gabriel Antonio | terça-feira, 14 de Fevereiro de 2012 - 02:35

Se o filme cumpre seus deveres como diversão banal, isso pode ser discutido.

Intolerável é a forma pretenciosa com a qual ele se apodera da obra de Arthur Conan Doyle. Usando personagens e a marca já consolidados na literatura mundial para vender uma filme de ação genérico.
As palavras justificativas "homenagem","reboot","resgate", apenas escancaram a enorme falta de criatividade da produção,que tem como diretor ninguém menos que Guy Ritchie. Só podia ser ele,que desde o começo da carreira é obcecado em imitar Quentin Tarantino, achando que para isso bastam diálogos rápidos e extravagância visual.

Isso serve tanto para o 1 como para o 2. E para o 3 que lançarão. E para o 4,5,6...POR FAVOR PAREM!

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