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Críticas

Cineplayers

No calor e no rubor da intimidade.

7,0

Mark O’Brien foi um jornalista e poeta que dedicou toda sua vida à difícil tarefa de dar voz aos deficientes físicos, e ajudá-los a conquistar um espaço maior de respeito dentro do mercado de trabalho. Aos seis anos ele contraiu poliomielite e como consequência teve de passar o resto de sua vida dependendo de um aparelho que lhe substituía o pulmão, e isso nunca o impediu de levar uma vida cheia de conquistas importantes. E embora no campo profissional ele tenha provado que podia ser como qualquer pessoa saudável, havia certo impasse quando o assunto era sexo – assunto este que rendeu um divertido ensaio para a revista Sun, em que ele conta em detalhes a passagem de sua vida em que decidiu contratar uma terapeuta sexual para finalmente ajudar a sanar na prática essa curiosidade natural. 

Ben Lewin, por outro lado, foi um dos inúmeros deficientes que tanto se beneficiaram das conquistas de O’Brien no passado, e por isso não é de se admirar que ele seja o diretor responsável por As Sessões (The Sessions, 2012), um filme baseado na experiência pessoal de Mark descrita no tal ensaio. Por se identificar em parte com todo aquele universo relatado nas experiências de O’Brien, Lewin consegue entender que o maior pecado desses tantos filmes que falam sobre pessoas deficientes é o bem intencionado, porém desastroso, tom de piedade e chororô que insiste em apresentar seus personagens como grandes heróis imaculados, ou pessoas amarguradas por dentro e que um dia sonham em vencer na vida apesar de todas as dificuldades encontradas no caminho – consequentemente os transformando em alienígenas em meio aos outros personagens que não compartilham de seus problemas. Em As Sessões não há nada dessa baboseira ultrapassada, até porque sua premissa é um tanto mais cômica e bem humorada, tratando de um tema que já é delicado por si só, mas que ganha uma veia muito mais interessante neste contexto.

No caso, temos o talentoso John Hawkes (que já fez um montão de filmes, mas até hoje não ganhou o reconhecimento que merece) no papel de O’Brien, enquanto Helen Hunt enfrenta com a cara e a coragem (e mais algumas outras partes de seu corpo) o papel da profissional do sexo contratada para enfim resolver essa questão da virgindade do poeta de quase quarenta anos. William H. Macy entra na história como o padre conselheiro de Mark. Mas engana-se quem pensa que esse bom elenco se reuniu apenas para fazer piadinhas de sexo escrachadas, como se vê em filmes tal qual O Virgem de 40 Anos (The 40 Year Old Virgin, 2005), ou que embarca nessa nova moda inexplicável de Hollywood em fazer comédias românticas que discutem as peripécias e dificuldades de casais atípicos tentando se entender na cama, como Um Divã para Dois (Hope Springs, 2012) e Amizade Colorida (Friends With Benefits, 2011). Em As Sessões, essas armadilhas passam longe e o resultado dessa abordagem do sexo é infinitamente mais interessante.

O ponto forte que dá energia para que o filme se sustente durante sua duração é, a princípio, o bom desempenho de Hawkes e, posteriormente, no entrosamento do ator com Helen Hunt, e na forma como os dois conseguem criar uma intimidade muito especial, não apenas pelo sexo em si, mas pela maneira como ambos encaram esse assunto em seu lado mais psicológico. Com base nisso temos dois temas desgastados – o sexo e a deficiência física – trabalhando juntos em prol da construção de uma abordagem interessantíssima, que garante o que há de melhor no filme. Tudo começa pelo óbvio, pelo desejo incontrolável apoiado pela curiosidade de um cara que passou a vida toda apenas fantasiando esse momento, misto em um sentimento de insegurança típico de todos em uma situação como esta. Mas o interessante é que, do outro lado, no caso de Cheryl, também há certo receio e hesitação diante não da doença de Mark, mas de sua insegurança nata. Tanto ele quanto ela anseia e ao mesmo tempo teme aquele momento, e nisso se desenvolve uma cumplicidade temporária entre eles, que resultará numa bela amizade. Naquele momento tão desconcertante para todos de precisar tirar a roupa na frente do outro, não há diferenças, muito menos deficiências, capazes de melhorar ou piorar a situação – tudo é uma questão de enfrentar logo o desconhecido. E nesse exato ponto que Bem Lewis faz sua maior e mais sutil intervenção como autor, e como opinante sobre o assunto, ao tratar de Mark e Cheryl como duas pessoas comuns e iguais, nem que sejam apenas por aqueles breves momentos. Nessa hora já não importa para eles, e mesmo para nós espectadores, se Mark é deficiente ou não, se Cheryl é uma prostituta ou não, mas sim o finalmente.

Por saber interligar tão bem essas questões do sexo na maturidade e as possibilidades nem sempre consideradas de um deficiente físico, em uma sintonia tão natural e complementar, Bem Lewis consegue provar a qualidade e a necessidade de um trabalho como As Sessões, um exemplar raríssimo no cinema americano que não trata personagens deficientes como seres de outro planeta, mas iguala-os a todo ser humano nos conflitos que são da natureza íntima de todos. Se boa parte desse sucesso vem do casal de atores principais (Helen Hunt, em especial, encarando a esta altura do campeonato um nu frontal, prova que pode estar sempre surpreendendo positivamente, como fizera antes na sua participação em Melhor é Impossível [As good as it gets, 1997], ou quando decidiu apostar na direção do simpático Quando Me apaixono [Then She Found Me, 2007]), muito se dá pela sensibilidade e familiaridade com que lida com seus temas. Talvez não revolucionário ou totalmente livre de lugares-comuns, mas com certeza relevante e bem especial, As Sessões é uma surpresa positiva na Hollywood que hoje insiste tanto em falar de sexo, mas que quase nunca consegue fazê-lo sem cair no ridículo.

Comentários (3)

Eduardo Laviano | segunda-feira, 18 de Fevereiro de 2013 - 01:03

Eu tava muito ansioso para ver esse e não me decepcionei. Lindo lindo e lindo. Tratou de um assunto delicado de forma sábia e bem tranquila. Não há coitadismo e nem pena. Helen Hunt é uma estrela de primeira grandeza e o filme é um dos melhores do ano.

(E o ator que interpreta o padre se chama William H. Macy, Heitor!)

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