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Críticas

Cineplayers

Um Jean Valjean dos pobres.

4,5

É inegável a importância de Robert Redford para o amadurecimento do cinema americano que se viu no final dos anos 1960 (e também do cinema independente mais recente, com a criação do Festival de Sundance). Bonitão, bom ator, e bem articulado, uma espécie de George Clooney da sua época, ele fez do cinema (e ainda faz) um instrumento de expressão politica. Em filmes como Nosso Amor de Ontem (The Way We Were, 1973), Três Dias de Condor (Three Days of Condor, 1975) e Todos os Homens do Presidente (All the President´s Men, 1976), mesmo que sob a batuta de outros diretores, Redford revelava sua preocupação de tocar nas feridas recentes da história americana, como o macarthismo, a paranoia conspiratória e o escândalo Watergate. Mesmo adormecida na sua carreira como diretor, mais dedicada a dramas familiares, essa veia temática de Redford voltou com força total nos seus últimos filmes, que, independentemente da qualidade do resultado final, formavam um bloco coerente sobre os conflitos políticos e sociais vividos pelos Estados Unidos nos últimos 30 anos. Sem Proteção (The Company You Keep, 2012) é mais uma investida do diretor neste campo minado da política.

No primeiro capítulo desta (involuntária?) trilogia, Leões e Cordeiros (Lions for Lambs, 2007), o foco de Redford era amplo: entre os assuntos abordados, estavam a Guerra do Afeganistão, a tensa relação entre o Governo e a imprensa, e a ineficiência dos ensinamentos acadêmicos perante a juventude americana. No segundo, Conspiração Americana (The Conspirator, 2010), sua câmera voltou no tempo, até a Guerra Civil Americana, para falar, por via indireta, da administração George Bush, em especial o Ato Patriota. Agora, em Sem Proteção, Redford destaca um episódio pouco conhecido na vida americana: a guerrilha interna praticada por grupos radicais que se opunham à Guerra do Vietnã. Dada a cultura bélica dos EUA, o tema é sempre oportuno. Infelizmente, assim como ocorrera nas tentativas anteriores, as intenções de Redford são maiores e melhores do que sua capacidade como cineasta, e Sem Proteção (incompreensível e injustificável título nacional)  fica bem aquém do que sua própria ambição projetava.

Para falar daquele período conturbado da sociedade americana, Redford e seu roteirista Lem Dobbs (baseados no romance de Neil Gordon), usam como fio condutor o grupo esquerdista Weather Underground, responsável por diversos ataques a prédios públicos e agências bancárias entre 1967 e 1974. Em um destes atentados, um segurança foi baleado e morto, o que levou o FBI a caçar os revoltosos pelo país afora, em especial Mimi Laurie (Julie Christie), Nicholas Sloan e Sharon Solarz (Susan Sarandon). Mesmo como todo o aparato policial no encalço, os três procurados conseguem escapar, assumir novas identidades e levar suas vidas normalmente. Até que mais de 30 anos após o episódio fatídico, Solarz, ja casada e mãe de dois adolescentes, decide se entregar às autoridades. Essa resolução traz à tona uma série de eventos adormecidos no tempo, que chegam ao conhecimento de Ben Shepard (Shia LaBeouf), jornalista com algo de talentoso e de irresponsável na mesma medida. Uma pergunta aqui e um telefonema ali, o levam ao advogado Jim Grant (Robert Redford). Viúve e pai de uma criança, Grant é obrigado a dar uma pausa na sua pacata vida de bom cidadão, e acertar as contas com o seu passado.

Sem Proteção apresenta os mesmos problemas dos dois filmes anteriores da trilogia. Na ânsia de passar sua mensagem, o diretor sacrifica o desenvolvimento dos seus personagens. Todos eles existem em função das opiniões que defendem ao longo do filme, que permitem a Redford apresentar diferentes pontos de vista sobre o mesmo assunto, e agradar os gregos e os troianos envolvidos no problema. Redford não aprofunda o passado daqueles guerrilheiros, que entram e saem na narrativa sem deixar qualquer marca ou maior impressão. A não ser pelos diálogos entre Sarandon e LaBeouf no início da narrativa, e entre Redford e Julie Christie, no final, em que se assume uma posição, o público sai do cinema sem compreender se aquelas pessoas acreditavam, de fato, em um estado pacifista, ou se não passavam de uns adolescentes baderneiros.

Outro tema abordado por Redford, ainda que por via oblíqua, é a própria imprensa americana. Em duas passagens, o roteiro mostra uma posição pessimista em relação a ela, ao revelar que o conteúdo de uma entrevista só será confidencial se o entrevistado expressar seu desejo ao jornalista. Do contrário, tudo o que foi revelado poderá ser publicado na internet em menos de 20 minutos. Além disso, o dilema moral enfrentado por Shepard ao final da narrativa, joga na mesa, ainda que sem muito sucesso, o conflito ético vivido pelo jornalismo nos dias de hoje, mais sedento por furos e exclusivas do que checar todos os aspectos da notícia.

Quando o filme foi exibido fora de competição no Festival de Veneza de 2012, Redford afirmou que construiu seu personagem tendo em mente o Jean Valjean de Os Miseráveis. Não chegaria a tanto. Mais que a obra clássica de Victor Hugo, o roteiro de Sem Proteção parece buscar inspiração no velho tema hitchcockiano do falso culpado (o que não deixa ser um clichê). Vem dai outro defeito: Redford não é um diretor talhado para o thriller de suspense e sua carreira está aí para provar. As sequências de ação são a um só tempo mornas e implausíveis. Por melhor que Grant tenha sido no passado, fica difícil acreditar na agilidade de um quase octogenário Robert Redford para escapar do FBI na perseguição dentro de um trem e na caminhada no meio da mata em busca de uma cabana (que abriga, inclusive, uma das sequências mais anticlimáticas do filme). É também duro de engolir a facilidade com que o jornalista consegue localizar as pistas que o FBI não foi competente para fazer em 30 anos. Além disso, há algumas derrapadas meio simplórias, como quando o espectador consegue ouvir o áudio de um vídeo que está sendo assistido por Shepard, mesmo com ele usando fones de ouvido.

O elenco de Sem Proteção é um exemplo que une qualidade e desperdício. De um lado, é raro um filme reunir  nomes de peso como Julie Christie, Susan Sarandon, Nick Nolte, Richard Jenkins, Terrence Howard, Brendan Gleeson, Anna Kendrick, Sam Elliott, Stanley Tucci e Chris Cooper. Tanta gente de calibre assim é a prova do prestigio de Redford perante seus colegas. No entanto, a maioria destes atores tem pouca ou quase nenhuma participação em tela que justifique tamanho talento.  Em casos assim um elenco de primeiro escalão até joga contra e escancara as falhas do roteiro.

Ao final de mais de duas horas de projeção, o sentimento é de decepção. Ficamos sem saber o contexto histórico da época, a motivação daqueles grupos guerrilheiros, os conflitos internos, e as disputas ideológicas. Em resumo, Sem Proteção consegue ser ao mesmo tempo ruim como documento histórico e como cinema.

Comentários (2)

Alexandre Koball | quarta-feira, 05 de Junho de 2013 - 08:06

Parece genérico ao extremo. Filme que chega ao cinemas, em poucas salas, fica duas semanas, é esquecido. Três meses depois vai para o home-video, onde nem aí consegue seu público. Mas, enfim, é só uma impressão.

Alexandre Koball | quinta-feira, 03 de Outubro de 2013 - 16:09

Finalmente assisti e achei divertido. Em breve, a lupinha. 😁

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