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Críticas

Cineplayers

Um thriller que não se nega e não se ilude.

6,5

Navegando por textos e notas da internet é fácil sentir-se desencorajado pelo modus operandi ou sei lá da crítica cinematográfica hoje, pois, na minha de tentar entender porque Sem Evidências (Devil's Knot, 2013) foi tão rechaçado, eu vi críticos formados e experientes esbarrando em uma questão que, aos meus olhos, é tão básica, que eu jamais colocaria em cheque.

A questão é que o novo filme do diretor egípcio Atom Egoyan é baseado em um best-seller de não-ficção a respeito de um crime ocorrido em 1993 nos Estados Unidos. O crime aparentemente repercutiu bastante e aparentemente pelo menos quatro documentários exploram possíveis explicações para essa assustadora narrativa.

O crime, em si: três garotos misteriosamente assassinados em alguma pacata cidade do estado de Arkansas. Como é comum em casos similares, a repercussão desses assassinatos gerou uma espécie de frenesi através dos Estados Unidos, cidadãos pedindo vingança e sangue frio, ao invés de justiça.

O maior pecado de Sem Evidências, provavelmente, é não relatar algo ainda não explorado por livros e documentários a respeito desse crime. Os americanos aparentemente sentiram-se entediados diante de uma história por eles já conhecida.

Mas essa percepção é seriamente problemática.

Um filme não precisa justificar-se, muito menos apoiar-se em novos boatos sensacionalistas para fomentar um factoide dum crime de mais de vinte anos atrás. Um filme justifica-se em sua história, suas escolhas, estéticas e narrativas, e deve bastar-se em si mesmo. O crime ocorrido em Sem Evidências não é o crime real, onde três crianças foram assassinadas; é um crime de ficção, narrado sob a ótica consciente de um diretor competente e consagrado.

As escolhas estéticas de Egoyan denotam uma perspectiva bastante clara: depois de cinco minutos de metragem, as crianças já estão mortas. Não é, obviamente, o assassinato que interessa. Porém, quando as crianças são encontradas, um dos policiais retira o corpo frígido e empalecido de um dos garotos do lago, a câmera de Egoyan registrando, de maneira chocante, essa cena.

A decisão entre mostrar ou não um cadáver, ainda mais um que já esteja em processo de decomposição, sempre me interessou. Lembro-me de Senhor Vingança (Park Chan Wook) e de sua grotesca cena em que o irmão viola o túmulo da irmã, por exemplo. Decisões como essa me parecem raras, especialmente na cultura americana. Ao mostrar o cadáver do garoto, Egoyan personifica o horror, transferindo-o para o que realmente importa: a morte em si. Ao fato de que o garoto simplesmente não existe mais. Algo, me parece, que vai na contra mão da repercussão de crimes desse tipo, onde procura-se focar no sofrimento, nas lágrimas, no jogo de emoções.

Apesar do sofrimento brutal, Sem Evidências não joga assim. As emoções são contidas e o drama é pouco carregado. O embate entre a verdade e a ficção interessa muito mais, e o horror em razão da conspiração contrasta melancolicamente com o horror dos próprios assassinatos.

Entre o que é verdadeiro e o que o inventado, Pam Hobbs (Reese Whiterspoon) e Ron Lax (Colin Firth), olhos do espectador na história, que assistem (assistimos) com perplexidade a demolição do mito (a mentira), tecido pelos preconceitos, medos, incompreensão, para a construção de uma verdade que permanece, muito tempo depois, à sombra.

Apesar disso, é preciso ressaltar: Sem Evidências é um thriller genérico, um drama de tribunal que, além das observações já expressas, não possui muitos pontos dignos de nota. Mas que consegue, diante de tudo isso, deixar a impressão que, em mãos incautas, poderia ser muito pior.

Comentários (2)

Caio Henrique | quarta-feira, 06 de Agosto de 2014 - 09:34

Acho que o cara tinha tudo pra fazer um novo "Zodíaco"( material ele tinha, assim como a história sem resolução). Mas é como você diz, tudo feito de forma superficial e sem alma. Mais uma história (re)aproveitada para ser vendida.

Reginaldo Almeida | quarta-feira, 06 de Agosto de 2014 - 20:26

Beleza Guilherme.

Queria aproveitar pra dizer que vou ver 3 dos seus 10 filmes preferidos (Ariel 1988, Naked 1993 e Love.Exposure.2008). Tudo Porque "Laços Humanos" entre seus 10 filmes, é Um dos filmes mais lindos que já vi. Isso pra mim afirma o seu absoluto conhecimento em cinema. Valeu mesmo!😁

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