Saltar para o conteúdo

Segredo de Brokeback Mountain, O

(Brokeback Mountain, 2005)
7,9
Média
859 votos
?
Sua nota

Críticas

Cineplayers

Uma história de amor tão sincera, clássica, que sendo homo ou hetero, você irá se apaixonar. Afinal, somos todos seres humanos.

8,5

Estado americano de Wyoming, verão de 1963. Dois jovens rapazes, um rancheiro e um peão de rodeio, têm suas vidas cruzadas ao trabalharem juntos pastoreando ovelhas no alto da montanha Brokeback. Ennis Del Mar é um jovem órfão, reservado e com um passado traumático que o impede de descobrir sua própria identidade. Jack Twist é o seu oposto: brincalhão e expansivo, sabe exatamente quem é e o que deseja.

Ennis busca neste emprego temporário dinheiro para poder se casar e ter uma vida estável. Jack não sabe exatamente qual é o destino que vai seguir. Em comum, o anseio a uma vida melhor no meio de um estado que parece ainda perdido no tempo. Os rapazes jamais poderiam imaginar que um simples trabalho de verão pudesse marcar suas vidas para sempre.

Essa é a premissa do conto Brokeback Mountain, escrito por Annie Proulx (vencedora do prêmio Pulitzer por Chegadas e Partidas, que virou filme em 2001 pelas mãos de Lasse Hallström), que foi publicado em 1997 na revista The New Yorker, para depois compor a antologia Close Range: Wyoming Stories, de Proulx, em 1999. Os escritores Larry McMurtry e Diana Ossana, quando o leram, ficaram apaixonados pela história e resolveram comprar os direitos. Roteirizaram-no, mas só conseguiram levar a história para a tela oito anos depois, após dificuldades no financiamento da produção e desistência de envolvidos no projeto. Foi o produtor James Schamus, co-presidente da Focus Features, braço independente da Universal Pictures, quem finalmente viabilizou a produção.

Schamus convidou para a direção o taiwanês Ang Lee, de quem é amigo e parceiro. Juntos realizaram verdadeiras obras-primas, como O Tigre e o Dragão e Tempestade de Gelo, mas vinham de um projeto considerado fracassado, a adaptação de Hulk para as telonas. Escaldados, resolveram tocar Brokeback Mountain da forma mais simples possível, com um orçamento bastante modesto (cerca de 14 milhões de dólares, o menor na carreira de Ang Lee desde Comer, Beber, Viver).

Toda essa dificuldade de produção parece ter contagiado a equipe, que entregou um dos trabalhos mais tocantes – e premiados – dos últimos tempos. O Segredo de Brokeback é um filme de força indiscutível e rara sensibilidade. E de coragem surpreendente. Em nenhum momento disfarça aquilo que realmente é, mesmo com toda a força conservadora do governo Bush: uma grande história de amor entre dois homens. Seria fácil taxar o filme como “faroeste gay” ou um outro rótulo preconceituoso qualquer, mas ele se mostra tão verdadeiro que é impossível não se render a ele.

Afinal, a história entre dois caubóis que ao partilharem a dureza em se viver sobre situações altamente desfavoráveis, como a falta de conforto, de comida, do clima instável, e que em uma noite fria acabam se relacionando sexualmente (sem nenhum glamour hollywoodiano, diga-se de passagem), não seria bem aceita por grande parte do público. Mas o roteiro trabalha com maestria esse problema, sufocando qualquer fagulha preconceituosa que possa surgir ao retratar Ennis e Jack como dois homens que, por uma força do destino, acabam se conhecendo intimamente e que passam a considerar aquilo uma espécie de amizade, só que em um grau mais elevado.

Afinal, eles não se consideram gays, não agem como tais e não pretendem levar aquilo adiante quando descerem a montanha. Nesse ponto é que o filme deixa de ser menos faroeste para se tornar mais dramático, porque entra em cena o conflito entre a identidade sexual e a repressão social, pois eles simplesmente não sabem o que fazer com este amor – em uma época de grande movimentação sobre a liberdade sexual e que eles nem fazem idéia que esteja existindo! É preciso um período de quatro anos para que se reencontrem após os trabalhos na montanha Brokeback, já casados e com famílias constituídas, mas ainda com a chama da paixão queimando por dentro. Continuam incapazes de assumir os sentimentos e passam a vida pagando os próprios pecados. É aí que reside a força do filme.

Grande parte desse mérito cabe a Heath Ledger (que de quebra encena o momento mais lindo do cinema nos últimos anos, envolvendo um mísero botão). Esse jovem ator australiano, que até então não tinha demonstrado maior talento, entrega o primeiro grande trabalho de sua vida, que exigiu dele um equilíbrio que dificilmente outro ator de sua idade conseguiria ter. Ennis é o personagem mais complexo e rico de toda a história, de passado sofrido e que sofre com o grande dilema entre seguir a vida considerada normal pela sociedade ou se entregar a grande paixão que nutre por Jack. O trabalho de composição de Ledger para esse trabalho é inacreditável: reparem no tom de voz, no sotaque, na postura dele em cena. Sua performance é tão soberba que ele acaba se sobressaindo sobre Jake Gyllenhaal, que tem um personagem de maior empatia, mas que acaba sendo diluído a partir do meio do filme em situações desnecessárias, como aquela em que entra em cena a intragável Anna Faris. Essas cenas supérfluas, se desprezadas na edição final, trariam bem-vindos quinze minutos a menos na projeção, já que o ritmo do filme fica claudicante em determinado momento.

Outro grande destaque do elenco do filme é Michelle Williams, fugindo definitivamente do papel que a consagrou na telessérie Dawson’s Creek. Williams interpreta Alma, a moça com quem Ennis se casa e forma família. Em certo momento, ela descobre quem o verdadeiro marido é, e Williams simplesmente entrega uma reação tão sincera e tão perplexa que chega a doer na gente. Destaco também a participação pequena, mas marcante, de Linda Cardellini, no papel do interesse amoroso de Ennis após o divórcio. Cardellini, mais conhecida como a Velma nos dois filmes do Scooby-Doo, transpira sexualidade e maturidade que o papel exigia. Infelizmente Anne Hathaway, como a esposa de Jack, não tem o mesmo desempenho. A moça, que despontou para o cinema em ‘O Diário da Princesa’, é linda, corajosa (para quem até há pouco tempo fazia comédias para a Disney, mostrar os seios é uma prova de que ela quer ousar), mas não convence quando sua personagem se torna gradativamente madura.

Quanto à direção de Ang Lee, ela é honesta e bem construída, mesmo que sem maiores firulas. Sim, é quadradão, bem ao estilo clássico, como nos épicos de antigamente. Amparado pela excelente fotografia de Rodrigo Prieto, Lee constrói e descontrói as paisagens de acordo com os sentimentos dos personagens, e não tem medo de ousar nas cenas de amor dos dois heróis, que não são muito explícitas, mas que também não são hipócritas. Outro grande destaque é para a sensacional trilha composta por Gustavo Santaolalla, o mesmo que trabalhou em ‘Diários de Motocicleta’. Ele conseguiu compor um tema principal marcante e de poucos acordes, que ressoando sobre a paisagem montanhosa, se torna uma espécie de alma dos heróis (sim, eles são heróis dignos das tragédias gregas, e estão no mesmo santuário onde residem os personagens mais memoráveis de John Wayne, Yul Brynner e Clint Eastwood).

Enfim, O Segredo de Brokeback Mountain é um filme marcante, que faz chorar e que fica ressoando na cabeça. Seja você heterossexual, seja você homossexual. E, por isso mesmo, força a reflexão sobre o verdadeiro sentido sobre a intolerância, sobre a falta de amor ao próximo, sobre como somos cruéis uns com os outros. O mundo se esquece que há diferentes raças, diferentes credos, diferentes opções sexuais, mas que somos todos seres humanos.

Comentários (2)

Paulo Soares | domingo, 20 de Junho de 2021 - 21:50

Excelente análise. Só discordo em um pontinho, que é sobre o fato de Heath ter se sobressaido em Jake. Gostei bastante que o roteiro trabalhou um pouco mais em Jack, já que o conto se passa sobre o ponto de vista de Ennis. Pra mim nem o Heath foi melhor que o Jake e nem o Jake foi melhor que o Heath, eu gostei bastante do trabalho dos dois, acho que eles conseguiram transmitir bem o que foi proposto para os personagens. Vejo o Gyllenhaal como o oposto de Ledger e isso que fez o filme funcionar. Ele é como se fosse o alivio que a melancolia do filme tem. Eu senti equilibrio na atuação do Jake, nem muito sério e nem muito exagerado. Agora sobre o elenco feminino super concordo. Mas de resto gostei da critica.

Faça login para comentar.