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Sedução e Vingança

(Ms.45, 1981)
?
Sua nota

Críticas

Cineplayers

Vestida para matar

8,5

Anos 80.
Becos. Violência. Transgressões.

O cinema de Ferrara encontra aqui a brutalidade das ruas de uma Nova York barulhenta e ameaçadora, colocando na tangente uma mulher cuja mudez é hiper representativa nesse universo underground estilizado, que encontra nos homens o vilanismo. Esta mudez é espelhada nas mulheres silenciadas após sofrerem violência. O diretor, aqui, diante uma protagonista sem qualquer manifestação vocal, dirige o filme habilmente, abrindo mão de diálogo e explorando os comportamentos através de vigorosas imagens.

Ferrara filma sua protagonista, Thana, uma costureira que trabalha numa agência de estilistas, caminhando pelas ruas movimentadas até o ponto em que, em plena luz do dia, é apanhada a força por um estranho que a leva para uma travessa suja e a estupra. A mulher, temente e incapaz de gritar, sobrevive à violência após ter subsistido a outros assédios de diferentes homens pelo caminho. Pouco tempo depois, em casa, humilhada, senta-se em um sofá digerindo tudo o que lhe acontecera, até quando percebe algo: um estranho estava ali. Um bandido que, aproveitando da ocasião e da fragilidade da garota, avança sobre ela e a estupra. Duas vezes em poucas horas.

O calvário da mulher parece ser a insegurança que sente o tempo inteiro.

Desgraçada. Indefesa. A situação enoja. Ferrara explana isso tudo com incitamento, sem necessariamente e indelicadamente mostrar ao público a violência sexual. É suficientemente perturbador imaginar, é de verter vômito. A violência é gatilho para violência. Um revólver encontrado torna-se suposta defesa, mas se transforma em outra coisa.

Seria injusto dizer que Thana, após seu ciclo de violência sofrida, renasceu, mas, talvez, se transformou, tornando-se outra para seu próprio mal. No trabalho, sua mudez é sentida para além das palavras; seu olhar, seus gestos, sua inaptidão em realizar os serviços rotineiros lhe comprometem profissionalmente. Em outro caminhar, um estranho lhe observa e a segue. Caminha a passos largos. Ela corre. Ele corre. Num beco sem saída, o pavor. De novo? Um grito. Um tiro. Um tiro fulminante da mulher que jamais havia usado uma arma. Ninguém parece ter ouvido. Ela sai das sombras do beco em direção à luz, como se naquele instante assumisse outra identidade.

O roteiro escrito por Nicholas St. John, grande parceiro de Ferrara, é sucinto e vai direto ao ponto, estruturando uma história linear pertinente e reconhecida em todo lugar, sobre o assédio nas ruas, o abuso sexual e o machismo. A cidade de Nova York parece uma selva cujos homens são constantes ameaças. Chama atenção, diante do fato, a história ter sido escrita e dirigida por dois homens sensíveis à histórica condição da mulher, subjugadas a homens atrozes. A dupla de realizadores condiciona seus personagens à degradação moral de uma sociedade insalubre.

Thana definitivamente transforma-se em uma justiceira. De início, sente azia, enjoo e culpa. Sente desespero. Ela precisa dar fim a um corpo. Ela o despedaça e espalha pela cidade em sacolas diversas. Pouco a pouco, parece descobrir algum prazer em punir homens, todos que passam em seu caminho, pouco importando culpa ou inocência. Basta um flerte. Nesse sentido, várias cenas são bastante simbólicas para as intenções do roteiro, como aquela em que a garota está sozinha em uma praça aberta, com vários homens ao seu redor, formando um círculo. Ela no centro, outrora desprotegida, agora espanta e dispara. Agora mata.

O noticiário aponta para algum assassino em série a solta na grande cidade.

A protagonista vivida por Zoë Lund, atriz cujas feições amenas não condiziam ao papel, surpreende e arrebata. Veste-se para matar. Não é somente seu comportamento que se altera, mas suas roupas e aspectos. Convertida numa fêmea fatal, ela usa preto e batom como nunca havia usado antes; e caminha pela madrugada punindo o sexo masculino. A jovem trabalha numa agência de moda onde mulheres posam para fotógrafos e vendem seus corpos sexualizados em imagens para revistas. Ela nunca fora modelo. Nos bastidores, via de perto o machismo no universo da moda, como em qualquer outro lugar.

Entre seus encontros, algumas figuras marcantes. Um homem que bebia em um bar diz a Thana sobre seu passado, revelando com infelicidade o fim de seu casamento. Na cena seguinte, diante a ponte de Manhattan, imortalizada em tantos outros filmes, numa noite vazia, a morte apresentou-se de maneira desolada e surpreendente, trazendo uma acepção a mais às caçadas noturnas de sua vingadora. Para além da sedução e vingança, a amargura.

Na espiral de violência sobre violência, uma festa a fantasia eleva o tom da obra em um instante pronunciado e cinematográfico, um frenesi, quando Thana, fantasiada de freira, age em meio aos fantasiados num espaço onde as pessoas fingem ser outras. O filme encontra seu auge aí. E entre tantas simbologias, uma das mais significativas diz respeito a um cão de uma vizinha. A cena inteligentemente traduz as intenções de Thana, em quem ela se converteu e o que de fato tornou-se capaz de fazer, quando a opressão fez o opressor contra um público bastante específico.

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