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Críticas

Cineplayers

Um bom exercício narrativo e ótimas piadas fazem de Scoop mais um bom trabalho na carreira de Woody Allen.

7,5

Cada filme de Woody Allen já nasce com um prejulgamento. Afinal, ele é ele em todos os filmes e não faz a menor questão de esconder isso. Em Scoop, a confissão é explícita: "nasci judeu, mas me converti ao narcisismo". Assim, um filme de Woody Allen nunca é visto com a mente imaculada, com a boca limpa necessária para a degustação de um vinho. O gosto de Woody Allen já está presente na boca de qualquer pessoa que tenha o mínimo conhecimento cinematográfico e tenha acompanhado os lançamentos nos últimos mais de trinta anos.

Então, Scoop é um filme que já está julgado antes mesmo de ser visto. Ou algo muito próximo disso, pois Woody Allen consegue a proeza de se reescrever e manter a originalidade em cada filme, em cada diálogo. Sempre sendo ele mesmo. Em Scoop, uma americana aspirante a jornalista de férias em Londres descobre um furo jornalístico (o “Scoop” do título) por meio de uma pista sobrenatural e segue as pistas de um aristocrata, que teria como passatempo ser o “assassino das cartas de tarô”. É claro que, ao se aproximar do homem, ela se apaixona e confunde a investigação com seus sentimentos, o que garante boa dose de conflito à trama e um bocado de confusão para que Woddy Allen mostre seu talento de roteirista e diretor. Sem esquecer que ele mesmo tem um papel decisivo na trama, interpretanto um mágico que acaba por se passar por pai da garota.

O gancho incial do filme já cativa, e o diretor consegue suspender a descrença do público ao introduzir um personagem do além com a mesma naturalidade com que o narrador se inseria no meio da cena em “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”, por exemplo. O roteiro de Scoop, por sinal, é um dos pontos altos do filme. Mesmo que a história tenha alguma previsibilidade, o talento de Woody Allen para ser original dentro do já visto e fazer o óbvio parecer diferente garante situações que geram empatia do público com os personagens (Allen e Johansson). Além disso, a trama é amarrada de forma com que tudo funcione: não há excessos nem falta, tudo está em seu lugar – exatamente como um bom roteiro deve ser.

Pode-se alegar que falta profundidade dramática nos personagens, mas, nesse tipo de filme, os tipos servem como fio condutor da história, esta sim a estrela da produção. Eles só existem para dar vida às situações, e não o contrário. Assim, o mágico ansioso, a jornalista determinada e apaixonada e o aristocrata distante não revelam suas entranhas, mas ficam longe de serem caricaturas mal-feitas ou pessoas sem relevância. Funcionam na medida dentro da proposta do filme.

Em relação às atuações, Scarlet Johansson apresenta-se bem diferente, retratando uma garota falante, enérgica e ansiosa. Uma versão feminina do autor: não é à toa que a personagem se faz passar por filha do personagem de Woody Allen – e isso fica totalmente crível. Já Hugh Jackman está contido, parecendo pouco à vontade em alguns momentos: seu personagem é o menos desenvolvido entre os três principais. E Woody Allen é quem garante as melhores situações do filme, fazendo jus ao narcisismo anunciado e oferendo para si as mais situações mais divertidas – sempre sem medo de rir de si próprio.

Em relação ao universo de Woody Allen, Scoop se assemelha muito a “O Escorpião de Jade”: uma atmosfera policial com um toque místico-sobrenatural, contando uma história bem-amarrada, com bom ritmo e ótimo senso de humor. Se a missão de Scoop era fazer rir, foi cumprida. Se era apenas contar uma boa história, também. O filme é isso: um veículo para um bom exercício narrativo e ótimas piadas de um Woody Allen que se parece ao máximo com ele mesmo.

Comentários (1)

Patrick Corrêa | domingo, 28 de Dezembro de 2014 - 15:20

Texto muito bom. Esse filme fica entre os subestimados de Allen.

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