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Críticas

Cineplayers

No ritmo do mito da igualdade.

6,5

Samba, como vocês devem saber, não trata do gênero musical. Samba é o nome do personagem vivido por Omar Sy. Ele é Samba Cissé, imigrante senegalês que vive ilegalmente na França há 10 anos. Em certo instante, ao dizer seu nome, ele emenda: que nem o ritmo. Ou coisa parecida. O ritmo aparece em outras circunstâncias na obra e essas não valem a pena serem comentadas aqui. O contexto é Paris distante do luxo, centrado na marginalização de tantos imigrantes de vários cantos do mundo. Partes do filme se passam numa organização social onde assistentes sociais explicam direitos e cuidam dessa parcela da população. Engana-se quem crê que este é puramente um dramalhão temático: o drama dessas pessoas dão base a um filme de narrativa leve e por vezes emocionante, seguindo passos análogos ao do filme anterior de seus realizadores, o aclamado Intocáveis (Intouchables, 2011).

O drama dessa vez não atinge a significância romântica do filme anterior, que fora criticado por alguns pelo descomedido melodrama. Honestamente, discordo desses alguns. Samba por vezes flerta com o tal melodrama, porém arrisca-se em diferentes linhas acompanhando seu carismático e competente protagonista. É um típico cidadão comum enfrentando mazelas da vida, plot típico de alguns filmes franceses. Riremos, testemunharemos ação e engajamento social numa pegada humanitária bem intencionada. Ótimo para quem tem afinidade com o tema e queira exibir o filme em salas de aula visando discussões, mas para o cinema na verdade o filme oferta pouco. Parece demasiado dependente da estrela de Omar Sy, potencial novo astro do cinema francês, e de seus recursos para fazer o público se emocionar.

Ainda que pareça clichê, devo dizer que falta profundidade a Samba, ainda mais por ele trazer um tema como imigração, algo tão vigente na Europa. A desigualdade enquanto tema fica notoriamente desperdiçada quando acompanhamos o pós de sua ótima cena de abertura. O plano inicial explora uma festa de casamento num restaurante chique, a câmera segue acompanhando pessoas carregando um bolo por corredores, transitando no que parece ser diferentes camadas sociais, encontrando finalmente a cozinha e os empregados predominantemente negros – entre eles nosso protagonista. A cena dá um aspecto de contraste social quando parte do salão de festas onde a diversão reina entre sorrisos e música alta, e logo após encontra a mão de obra quase escrava. Essa introdução acaba deslocada do resto da trama que felizmente nunca deixa de evidenciar a desigualdade. Quando mencionei a falta de profundidade, quis tratar a questão de todo o resto parecer bem mais tênue diante ao que fora apresentado em seu início. Temos assim uma obra liquefeita combinada a romance, comédia e ação.

Buscando dar dimensão aos personagens, os roteiristas se encarregaram de explorar a psicologia de cada um frente à demanda da realidade do país. Destacam-se a assistente social Alice (Charlotte Gainsbourg), que carrega dentro da bolsa diferentes medicações para dormir, esboçando uma particularidade ao seu passado cujas intimidades desenrolam-se em diálogos íntimos; também é interessante observar a presença de Wilson (Tahar Rahim), imigrante amigo de Samba que diz ser brasileiro e demonstra alguma ginga assumindo que ser brasileiro naquele contexto é bem mais fácil do que ter qualquer outra nacionalidade. E é dentro do núcleo de relações entre esses personagens que o filme melhora quando se acentua, pois se apresentam com dramas reais, fazendo com que a identificação projetiva seja praticamente instantânea. É aí que entra a subtrama inevitável: o flerte entre Samba e Alice, um romance impossível de outros tempos com uma outra roupagem.

É um filme simples, tão fácil de acompanhar e tão cauteloso que sobrarão elogios corriqueiros ao final: legal, emocionante ou qualquer coisa parecida. E é mesmo! O tema da imigração é relevante e os atores representando problemas do cotidiano somam ao ideal de redenção pessoal que o filme proporciona a partir daquelas tantas vidas visando um lugar ao sol. A abordagem para a conclusão da obra merece atenção, afinal, não é fácil manter um ritmo ameno em meio a tantos assuntos sem fazer com que o filme desnivele sobre seus objetivos. A dupla de diretores traça uma linha e a segue cuidadosamente, sem a coragem de ir mais longe em aspectos técnicos ou na exploração sobre aquilo que o roteiro trazia de melhor; e também não despenca, nunca soando chato ou aborrecido, simplesmente porque a direção samba num mesmo ritmo as vezes arriscando alguns passos diferentes, mas sempre ciente do que quer proporcionar ao seu público.

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