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Rua Guaicurus

(Rua Guaicurus, 2019)
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Riscos calculados

7,0

Usando a câmera como testemunha ocular daquelas micro-histórias, João Borges tenta ser honesto com o clima geral de observação sobre um universo. Ele observa o ambiente, observa as vidas, tenta não se envolver de forma alguma, mas interfere sim naquela realidade, cria sim dentro daquele espaço, provoca sim a reflexão a partir da ficção que ele propõe dentro do real, mas também escolhe o ser invisível. Tanto ele se coloca como tal, como suas opções dentro daquela atmosfera são passar despercebido, sem provocar nada maior que uma marolinha na praia. Abdica da onda para filmar o oceano do jeito que ele é. E aí... Sentimos falta das ondas, porque elas são parte integrante daquele universo e são imprevisíveis. Esse é o pecado de Rua Guaicurus, falta a ele imprevisibilidade.

Ao adentrar um espaço inusitado como o que entitula o filme e ousar ficcionalizar o seu modus operandi, Borges tinha pra si quais as demandas que viriam por terra com essa escolha. Ambiente repleto de possibilidades, a maioria delas seriam oriundas da ordem da surpresa. Mas tais foram eliminadas porque o misto de documentário e ficção calculou os riscos possíveis nos eventos, causando assim uma sensação de conforto. Se esse sentimento não é positivo, a intimidade e a normalidade criada também pelo cálculo dos riscos é. Atrizes do que foram ou são, as mulheres em cena reproduzem cenas tão cotidianas que é capaz de sentirmos seus cheiros.

O filme ainda delega à narrativa uma proposta cinematográfica um tanto esperada, com direito a uma protagonista condutora, uma novata que a princípio reluta (e sofre) em aceitar a condição e termina por ceder ao apelo do lugar onde está, com direito a background explicativo dos motivos para estar ali. Ou seja, tem um arco narrativo muito comum até ao cinema de ficção, corroborando com as decisões da produção em colocar todo aquele lugar dentro de um espaço de ficção. Como tantas produções já o fizeram (o cinema iraniano praticamente tem um molde específico pra isso), seu elenco reproduz provavelmente situações que já viveram e/ou testemunharam, e assim reproduzir padrões de criação do fazer cinematográfico tipicamente ficcional, se afastando do documentário e vice versa, durante toda a projeção.

Nesse contexto, algumas situações acabam se saindo melhor conduzidas que outras, basicamente tudo que soa periférico tem maior qualidade; as questões pertinentes a essa figura protagonista são efetivamente mais carregadas e, portanto, menos orgânicas. Já as duas outras personagens centrais têm força e tratamento igualmente especiais, que evidenciam mais do que seu naturalismo, mas principalmente seu envolvimento dramático à narrativa tão sutil criada ao seus entornos. Cenas como as do envolvimento de Monique com seu cliente que ultrapassaram todas as linhas do profissional e criaram laços afetivos, ou o despojamento de Beth na interação com os clientes e com o universo ao seu redor, compensam a artificialidade que, sem querer, vemos vazar por Michelle.

Ainda que conduza tudo entre a elegância e uma ousadia milimetricamente estabelecida, Borges tem pulso de direção e um olhar sensível sobre os espaços e os seres. Aproxima nossos sentidos por sobre aqueles movimentos e nos torna próximos a quem conduz essas histórias, sejam elas mais leves ou mais pesadas. Como no clichê, o diretor humaniza não apenas uma classe trabalhadora que raramente se sente tocada por tal questão, mas toda uma zona de frequentadores e situações, que embora não sejam aprofundadas, não passam despercebidas pela delicadeza.

Crítica da cobertura da 3ª Mostra SESC de Cinema de Paraty

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