8,5
Novalis foi um poeta e filósofo alemão que viveu há mais de 200 anos e morreu prematuramente aos 28. Sua obsessão por encontrar a "flor azul" (algo que poderia ser definido como uma transcendência, uma liturgia religiosa, uma quimera de alguma ordem) pautou sua vida, mas hoje poucos lembram de Novalis. Marcelo Diorio não apenas lembra, como julga ser a reencarnação dele - e entrega essa informação para o espectador de A Rosa Azul de Novalis, novo longa de Gustavo Vinagre aqui em parceria a Rodrigo Oliveira. Marcelo também está em busca da sua rosa, mas não tem muitas pistas do que viria a se-la, como seu precursor. O ato de transcender da qual Marcelo elevará o coloca como um pensador moderno em suas divagações, mas também não o faz mais cândido, como um típico personagem traçado por Gustavo, em seu acerto de exaltar minorias.
Vindos do excepcional Lembro Mais dos Corvos, Gustavo e Rodrigo (que lá era só produtor) encaram o desafio de trazer frescor para uma ambiência narrativa relativamente parecida: um indivíduo e seu espaço, enquanto se abre com um interlocutor - no caso, a direção. No projeto com Julia Katharine, há um tanto de encenação, mas a delicadeza de Julia e a própria afetuosidade da relação entre eles cerra o longa num lugar entre o afeto e a melancolia. Há de melancólico aqui também, mas Marcelo Diorio embora tão fascinante quanto ela, tem suas características particulares, que incluem um caráter confrontador que instiga, quase como uma agressão. Isso por si só já dá um contorno ao filme que ligeiramente tira o projeto daquele lugar onde estava o anterior, mas outros elementos os diferem ainda mais.
A alegoria aqui é mais explícita, assim como o artifício. Sem depreciar ou elevar o material, o que vemos é uma roupagem nova para um material com certa similaridade. Essa vestimenta mais arrojada é uma opção que proporciona maior risco a essa nova empreitada, com resultados diferentes e um olhar mais cáustico ao personagem apresentado, que também é dotado dessa característica. Então o filme segue adquirindo pontos de contato com o protagonista, um homem que promove uma certa reclusão, sexualmente ativo, com muitas memórias familiares a partilhar, a maioria delas amarga. Sua relação com suas memórias é o ponto endurecido do filme, enquanto sua descrição com o hoje guarda uma efusividade. Aos poucos, esses dois lugares a princípio díspares começam a caminhar juntos e revelar as camadas, tanto do longa quanto do próprio Marcelo.
Da ambientação emana degradés de cinza que vão sendo substituídos com sutileza por tons mais quentes, até vir a tona o verde do creme que o protagonista passa no rosto e revela seu passado, mas nunca somente o seu. A história de Marcelo nessa sequência ganha um caráter ainda mais universal do que já prenunciava: vemos a partir dali definitivamente todos os homossexuais, todos os abusos sexuais, todas as humilhações familiares, todas as frustrações, todos as solidões... Marcelo se torna o mote do cinema de Gustavo e agora Rodrigo, que é essa ressignificação constante de minorias, de perseguidos, de enjeitados sociais, que o filme promove símbolo de luta, resistência e acima de tudo, normalidade. Não há nada de mais em ser gay, transexual, lésbica... se a sociedade os objetifica, Gustavo em sua filmografia os devolve ao ordinário da acepção literal do termo.
Ainda que incorra em excessos de efervescência visual, são delas que se monta o mosaico artificial que o filme propõe desde o início. "Eu sou um ator em uma performance", ironiza Marcelo, criando a dubiedade necessária para que vejamos o homem e o perforner, o corpo e a alma. Nesse contexto, A Rosa Azul de Novalis é um projeto muito mais inquieto e inconstante que os filmes anteriores de Gustavo e Rodrigo; um órgão vivo machucado onde ainda reside indignação e verdade, mas que nem sempre é compreendido. Como todos nós.
Filme visto na Mostra de Cinema de Tiradentes
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