8,5
É interessante notar que o diretor mexicano Alfonso Cuarón tenha optado por fazer um filme como Roma (idem, 2018) nesse momento de sua carreira. Após trilhar um longo caminho desde os anos 90 para se colocar no mapa, aceitando nesse meio até trabalhos infanto-juvenis de encomenda no cinema americano, como A Princesinha (A Little Princess, 1995) e Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban (Harry Potter and the Prisioner of Azkaban, 2004), ele finalmente atingiu um reconhecimento pouco usual em Hollywood para com estrangeiros latinos ao ser premiado com um Oscar por sua direção em Gravidade (Gravity, 2013). Diferentemente de seus conterrâneos Alejandro González Iñarritu e Guillermo del Toro, que surgiram na mesma época e também batalharam pesado pelo carequinha dourado, Cuarón retorna de seu premiado blockbuster com um filme em preto e branco, filmado no México, sem nenhum ator famoso no elenco, orçamento modesto e assinando sua própria fotografia. Roma surge então nessa filmografia não como a colheita dos louros do sucesso, mas sim como o meio encontrado por um artista para fazer o seu filme mais pessoal, agora que já garantiu certo prestígio com o público e com a crítica a ponto de não passar despercebido em um projeto tão importante.
Em recente entrevista ao site Redbull, Cuarón revelou a importância de Roma em sua carreira, visto que por muitos anos o diretor pensou que não conseguiria voltar a filmar em sua terra natal. As dificuldades de fazer cinema no México eram tantas que ele não o fazia há dezessete anos, por isso Roma passou tantos anos apenas na intenção. Basta assistir aos primeiros minutos do filme para entender: trata-se, antes de tudo, de um filme muito pessoal, quase documental, sobre um México perdido não exatamente na história, mas em suas memórias. A ideia da Roma de Cuarón não foge tanto da ideia da Roma (idem, 1972) de Fellini: pintar um retrato emocional e subjetivo de um tempo-espaço que só existiu exatamente daquela forma no coração de seu criador. Não à toa a opção nostálgica e retrô por uma fotografia em preto e branco, também não por acaso assinada pelo próprio Cuarón.
De certa forma, se cruzam em Roma todos os seus trabalhos autorais e o tema que mais parece interessa-lo em seus últimos filmes: a maternidade. Se em Filhos da Esperança (Children of Men, 2006) ela é sagrada, e se em Gravidade ela é transcendental, em Roma ela é explorada em toda sua complexidade fora de um futuro apocalíptico ou de um desastre espacial, mas sim na rotina ordinária de uma mulher comum, contextualizada no México dos anos 1970. Não é difícil enxergar nessas situações cotidianas o próprio diretor se comunicando conosco, em especial através do personagem infantil Pepe (Marco Graf), que afirma lembrar da época em que era “velho”. As crianças ali não discernem o sofrimento, a desigualdade, a ruptura familiar – sua visão se volta apenas aos carinhos, brincadeiras e bobagens próprias da infância, que Cuarón se esforça tão diligentemente em preservar mesmo em meio a um cenário de tristezas latentes e sonhos minguantes.
As desigualdades sociais em Roma remetem a uma antiga questão que sempre existiu entre o povo mexicano, dividido entre sua herança histórica com a colonização espanhola de Hernán Cortéz e sua raiz asteca/indígena representada na figura de Cuauhtémoc. O bairro da Cidade do México que dá nome ao filme é um dos que mais exemplificam essas antigas feridas ainda em aberto, e Cuarón explora essa divisão entre os brancos de classe média e os indígenas relegados a serviços domésticos e braçais. No entanto, essa não é a principal questão em Roma, muito menos o foco do filme, servindo apenas como pano de fundo para esse exercício de contemplação proposto desde a abertura. Virtuoso como poucos hoje em dia, Cuarón abusa dos travellings, dos planos-sequência, dos planos abertos capazes de captar desde os desimportantes detalhes até múltiplas ações ocorrendo simultaneamente em diferentes pontos e distâncias no enquadramento. Sua intenção não é apontar injustiças ou vingar os oprimidos, mas oferecer uma visão cristalina e livre de julgamentos sobre o fator humano que prevalece acima das imposições sociais, as marcas deixadas na memória pelos pequenos gestos do cotidiano.
Roma se revela portanto o filme mais pessoal de Cuarón até hoje, seu próprio Amarcord (idem, 1973), nos colocando na única posição que poderíamos ocupar diante da indecência de se olhar para um diário alheio em aberto: apenas como espectadores, intrusos, impossibilitados de exigir qualquer coisa além daquilo que o diretor nos permite acessar de seu íntimo. Cada cena tem o toque de delicadeza e cuidado que somente a memória é capaz de desenhar em toda sua inconstância.
Outra coisa que o Clastres defende é que não existem líderes "políticos", mesmo que exista uma figura de um xamã ou mestre, ou algo do gênero. Apesar de o xamã, ou pajé, representar o grupo indígena ele não é hierarquicamente superior a ninguém, sendo inclusive rechaçado pelo grupo quando tenta impôr algo a alguém.
Este estudo do Clastres levou à obra máxima de Deleuze e Guatarri, Mil Platôs, onde a dupla de autores faz referência à Clastres ao cunhar o conceito "Máquina de Guerra" (que tem relação com "nomadismo", "devir" etc, não vou explicar pq ficará muito extenso), que fala exatamente sobre um movimento social que evita a todo o custo a constituição ou consolidação de uma noção de Estado entre os povos ameríndios estudados por Clastres.
Com relação à comparação do genocídio, eu passo, porque não dá pra perder tempo com isso.
E aí, Kadu, blz?! Entra ano e sai ano e tu continua postando merda, né?! hahahahah
O Pedro foi preciso, mostrou bem como IMBECIL do Kadu não entendeu o argumento central do Clastres.
E sobre o genocídio, é isso aí mesmo: o cara não entendeu o conceito e continua passaando vergonha; mas como sou um professor insistente, vou tentar explicar de novo: genocídio é política de Estado que busca o EXTERMÍNIO de determinado grupo étnico. O Estado Asteca matava milhares em rituais de sacrifício todo ano, mas não busca o extermínio simplesmente que eles precisam continuar com rituais religiosos, sem falar que povos conquistados pagavam pesados tributos.
Astecas e Incas foram povos ameríndios que constituíram uma organização estatal. Já o livro de Castres aborda comunidades ameríndias que criaram mecanismos para impediram esse tipo de organização estatal.
Sobre Deleuze e Guatarri, coloco eles junto com Foucault e Derrida como os grandes pensadores do século XX.
Esse conceito de genocídio utilizado pelo Tratato de Roma é tão geral que engloba várias situações: inclusive o assassinato de pessoas nas comunidades pobres por forças policiais no Brasil. Logo, todo Estado é genocida, não importa que seja no capitalismo, no socialismo, ou nos Estados pré-colombianos. Já eu, quando falo em genocídio, estou citando acontecimentos mais específicos: holocausto judeu, cigano, armênio, congo belga entre outros. E claro, a conquista da América, onde milhões foram dizimados.
Sobre Zizek, é um filósofo bem fraco. A mistura que ele faz de Hegel com Lacan tem momentos curiosos, mas é só isso mesmo, momentos. Duvido que ele tenha alguma capacidade pra entender Deleuze, Foucault e Derrida. Filósofos contemporâneos de respeito: Catherine Malabou e o argentino Luduena Romandini.
Nando Moura? HAHAHAHA Cara, quem leva a sério Olavo de Carvalho é tu, mané