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Rocketman

(Rocketman, 2019)
7,0
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151 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Elleganzza extravaganzza!!

7,0

A principal qualidade de Bohemian Rhapsody acaba de se concretizar. Fenômeno mundial do ano passado, arrecadando mais de 800 milhões de dólares pelo mundo e 4 Oscars, a pretensa biografia de Freddie Mercury e sua espetacular banda Queen abriu a porteira para que projetos-homenagem a grandes nomes da música possam voltar a acontecer com expectativas de sucesso - que é o motor principal da indústria de cinema enquanto entretenimento hoje. Como Rocketman já estava filmado e com data marcada quando o trampolim para os prêmios de Rami Malek estreou, não podemos considerar a produção como sendo um "filhote" direto do rolo compressor, mas ainda assim o filme de Dexter Fletcher já supera em todos os aspectos o capitão desse pelotão que nos próximos anos nos dará muitas outras abordagens de ídolos pop.

Impressiona muito rapidamente o tanto de humanidade que o filme consegue introduzir numa proposta de delírio poético-musical, abrindo brechas para que a emoção seja acionada facilmente, enquanto permite um olhar ilusório sobre um recorte possível da vida de Reggie Dwight, internacionalmente conhecido como Elton John. As mãos de intérprete Taron Egerton abrem as portas de uma clínica de recuperação, enquanto o diretor abre as portas que separam três esferas, a 'realidade', o onírico e a comunicação entre eles, que promove mais do que uma visão lírica de acontecimentos, mas uma combinação entre objeto e espectador que pulsa liberdade factual. Essa liberdade vai além do compromisso com datas e eventos; a ideia aqui é usar das ferramentas do tradução do musical no cinema para capturar magia do ponto de vista imagético mas principalmente imaginativo.

Precisando lidar com o tanto de 'fantástico' que assume pra si, o filme abre espaço para que um tanto de possíveis rasuras sejam perdoadas no âmbito narrativo, mas não permite que a dramaturgia extravagante pretendida apague os traços que sabotam qualquer biografia quadrada - ainda vemos os saltos temporais absurdos, os personagens aparentemente importantes apagados sem qualquer cerimônia, o tempo sob um viés elástico e incompreensível, entre os outros de sempre. A ironia acontece ao percebermos o filme fugir tanto de uma leitura convencional e não perceber seus passos indo justamente nessa direção, que tentam ser sombreados com a dose lisérgica que o componente 'vício' permite a criação de suas cenas, planos e soluções visuais, eventualmente de caráter delirante e criativo, recheando o filme com beleza estética incansável.

Outros pontos unem Rocketman a Bohemian Rhapsody. Quando no segundo Bryan Singer foi desligado, as cenas adicionais que faltavam ser rodadas foram terminadas por Fletcher, com certeza chamado pelo envolvimento aqui, o que não importou qualidades ao filme do ano passado. A biografia do astro do pop-rock britânico tem uma cadência mais acertada, sem o extremo de dransticidade visto lá, nem a ideia de 'clipar' a produção indiscriminadamente, pelo contrário, Fletcher conduz um filme que tem mais do que um biografado inglês; toda a aura de uma típica produção do país, com classe, equilíbrio, humor mordaz, estão presentes aqui, tudo em doses certeiras. Outra intersecção é o trabalho de Julian Day, que vestiu tanto Mercury quanto John, em um trabalho memorável de recriação, leitura de época, criatividade, e aqui até uma dose de realismo na parte inicial é de profundo bom gosto.

Como Elton é um hitmaker, o material de utilização na produção era imenso, e infelizmente as formas de encaixe das músicas na trama foi um desafio, indo da perfeição ao erro e sempre ousando nessa direção, mesmo que o resultado não seja o esperado. A abertura é espetacular em promover a união entre os mundos já descritos, Reggie e Elton, que precisarão de anos para se confrontar. Logo a seguir, uma versão da bela I Want Love é apresentada em contexto equivocado, dando um ar de melancolia familiar brega e chorosa, apagando as sutilezas de um momento que as pedia. Esse talvez seja o principal defeito do filme, as liberdades artísticas concebidas bloqueiam alguma dubiedade, explicitando as fragilidades metafóricas aqui e ali. Mas momentos como a utilização de Pinball Wizard, a melancólica apresentação da canção-título, a sóbria criação de Your Song, a emocionante entrada em cena de Crocodile Rock, são motivos suficientes para elevar o trabalho, e o plano-sequencia da mudança de fase é um toque de excelência na produção.

Mas o acesso para a humanidade por trás da profissão de luzes, cores e sons do filme obviamente é o trabalho de Taron Egerton. Sem esquecer do ícone Elton John, da exposição de sua personalidade efervescente, dos riscos que existem em vestir um biografado tão rico e ainda vivo (e que produz o longa), Taron exerce os mínimos detalhes do naturalismo possível em um projeto que pede alegoria constante e que o próprio ator não pode ignorar. Ainda assim, o roteiro cria brechas para que todo o elenco torne possível a humanidade pretendida, não apenas Taron. Só o personagem de Richard Madden não o favorece, mas especialmente Gemma Jones, Steven Mackintosh e Jamie Bell conduzem a trama com muita segurança, ao lado da iluminação que Taron promove. Em um projeto como esse, tanto as decisões artísticas quanto as humanas são igualmente importantes, e o trabalho do protagonista em Rocketman se equivale ao show pirotécnico que a produção acertadamente faz leitura de uma figura tão exuberante e cheia de conflitos quanto Elton John. 

Comentários (1)

Matheus Gomes | domingo, 02 de Junho de 2019 - 22:00

Fui sem muitas expectativas. Grata surpresa. Para mim, que conhecia pouco a carreira do artista, foi realmente uma boa imersão em sua vida e obra; a qual pretendo conferir em breve depois dessa boa experiência.

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