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Críticas

Cineplayers

Um bom drama psicológico, em um papel diferente para Robin Williams.

7,0

Até onde você deixaria o seu padeiro entrar na sua vida? Você se sente mal pela solidão dos outros? São perguntas assim – ou pelo menos parecidas – que fazem a base de Retratos de Uma Obsessão. O filme surpreendeu muita gente ano passado por ser mais do que apenas outro thriller de suspense bacana. É muito mais que isso: a atmosfera do filme é incrivelmente peculiar, única, os personagens são envolventes e o roteiro é caprichado, além do filme ter uma belíssima interpretação de Robin Williams, pra variar um pouco.

Robin é a figura principal do filme. Ele interpreta um personagem de nome Seymour Parrish, ou simplesmente Sy, como prefere ser chamado. É uma figura melancólica, sozinha, não possui família e tampouco amigos. Trabalha em um laboratório de revelação de fotos instantâneos há muitos anos. É perfeccionista e muito bom no seu trabalho. Segundo ele, o laboratório em que trabalha processa as fotos mais perfeitas do estado. Ele tem um desejo secreto, seu maior fetiche, de fazer parte de uma família, para a qual vem revelando fotos durante anos, e se imagina sendo o “tio Sy” daquela família. O filme logo nos mostra que esse é um sonho utópico, pois fica evidente que a família Yorkin não está disposta, mesmo sendo sempre muito simpática com Sy, a deixá-lo entrar em sua intimidade.

Mas Sy conhece muitos segredos, afinal, ele já revelou centenas de fotos, talvez mais de mil delas, que retrata praticamente toda a vida de casados dos Yorkin e seu filho, por quem Sy parece ter um desejo imenso de amar. Você, no lugar dos Yorkin, deixaria o cara da revelação instantânea, com quem troca apenas palavras cordiais eventualmente, entrar em sua intimidade? Mesmo se achasse que ele é um cara solitário e suas intenções sejam boas? É uma pergunta complicada de ser respondida. Muitas pessoas, ao mesmo tempo que desejam ter mais amigos, dificultam muitas vezes a aproximação de desconhecidos. Em um país tão alienado com a segurança quanto os Estados Unidos, isso é ainda mais evidente. Como saber se tal figura simpática não é um pervertido, ou ainda pior, um assassino que apenas quer se aproximar para acabar com a sua vida?

De qualquer forma, o filme sugere essas questões de forma muito eficiente, e a resposta parece sempre ser negativa, contra Sy. O caso é que Sy é um pervertido. Não exatamente no sentido “mau” da palavra (se é que isso é possível), ele apenas quer se aproximar da família, fazer parte dela e amá-la. E quando ele é despedido de seu emprego, ele está disposto a utilizar os segredos que possui para alcançar seu objetivo.

Robin Williams é a chave para o sucesso do filme. Sy é um dos personagens mais obscuros de sua carreira, talvez só comparável ao seu personagem em Insônia. É sempre bom para um ator quando ele abandona, mesmo que temporariamente, personagens que são sua “etiqueta”. Robin Williams sempre teve a etiqueta de interpretar personagens simpático, engraçados e divertidos. Mesmo em dramas fortes ele não abandonava essa característica, como em Patch Adams e Um Sinal de Esperança, por exemplo, onde era um contraste positivo em meio à infelicidade e desilusão dos outros personagens. Em Retratos de Uma Obsessão, Williams convence como a pessoa solitária que o roteiro propõe, e quando menos percebemos, já estamos torcendo para que a família Yorkin deixe-o fazer parte de sua vida. Mas como você já leu aqui, isso é um sonho utópico, e você sofre por saber disso. Nos seus poucos momentos de felicidade durante o filme, como quando finalmente consegue obter, mesmo rapidamente, um contato mais íntimo com a esposa da família, é emocionante ver a face de felicidade de Sy por ter conseguido dar um passo em direção ao seu objetivo, mesmo que temporário.

Fora o personagem de Sy, o filme ainda tem muita coisa boa. O suspense é incrivelmente forte (mas poderia ser ainda maior, pois o roteiro proporcionava esses momentos), e o clímax do filme, embora bastante fantasioso e improvável para a vida real, é muito bem realizado e tenso. A parte técnica do filme é outro ponto extremamente positivo. A fotografia, por exemplo, é primordial. É difícil colocar cores tão vivas, claras e alegres, em um filme basicamente triste (por seu personagem principal), mas aqui o trabalho é feito muito bem. O branco da loja de departamentos onde Sy trabalha, contrastando com o escuro de sua casa é um exemplo de fotografia inteligente e bem empregada.

Em certo ponto, Sy faz um comentário extremamente pertinente, perguntando porque as pessoas só tiram fotos de seus momentos felizes. As fotos que ele revela geralmente mostram sorrisos, situações de alegria e contentamento. Sy sabe que as pessoas se enganam, a vida não funciona assim, mas é assim que as pessoas querem ser lembradas quando morrerem. Com Sy, aprendemos a respeitar (e a temer) as pessoas que trabalham com revelação de fotos. Talvez você acabe querendo comprar uma câmera digital após assistir o filme...

Retratos de Uma Obsessão só não é melhor pois não vai tão longe quanto poderia ir. Como foi falado, embora o suspense seja bastante alto, poderia ter ido muito mais longe. O filme é extremamente curto para o gênero (poucos minutos a mais que 90), o que talvez tenha desfavorecido o acontecimento dessas situações ainda mais tensas que poderia ocorrer. Infelizmente, além de Williams, os outros atores apenas fazem um trabalho burocrático que, se não fosse pelo ótimo roteiro, seria pior. Mas o filme tem muitas cenas a serem lembradas, e vê-se que o diretor, embora com quase 50 anos, mas ainda novato na profissão, tem boa estrada pela frente. O seu Retratos de Uma Obsessão é um dos melhores suspenses de 2002, e merece uma conferida.

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