Quando Hollywood mistura ação e discursos políticos sobre governos externos o resultado geralmente é muito ruim. Aqui não foi diferente.
Peter Berg disse que seu quarto trabalho como diretor, este horrendo "O Reino", foi pensado objetivando uma diversão politicamente reflexiva. Aparentemente, essa idéia é pouco agradável, pois nada é pior que um filme de ação tentando inutilmente mascarar seus defeitos através de um discurso político manco de conveniências. O que o público espera de filmes como "O Reino" é, na verdade, uma história interessante vivida por personagens minimamente convincentes. Infelizmente, o roteirista Matthew Michael Carnahan não apenas parece discordar do diretor, como também não atende às expectativas cinéfilas de ver uma trama comprometida com o gênero. Resultado: o filme é um apanhado de diálogos políticos ordinários inseridos em um roteiro paupérrimo de quase duas horas - que só consegue divertir um pouco nos trinta minutos finais, quando a ação finalmente aparece. Tecnicamente, entretanto, o longa-metragem é ótimo.
Num dos piores ataques contra ocidentais no Oriente Médio, terroristas matam mais de 100 cidadãos americanos, além de ferirem vários membros das famílias das vítimas. O ataque, ocorrido no complexo residencial de Oasis, em Riad, Arábia Saudita, é seguido de uma explosão ainda mais demolidora. Enquanto burocratas discutem questões de territorialidade, o agente especial do FBI Ronald Fleury (Jamie Foxx) e sua equipe negociam uma viagem secreta de cinco dias à Arábia Saudita, na qual pretendem localizar o responsável pelo bombardeio. Quando chegam ao deserto, eles se deparam com autoridades locais desconfiadas e agressivas a norte-americanos - que insistem em intervir nos assuntos da região. De mãos amarradas pelo protocolo, os agentes percebem que suas experiências serão inúteis caso não conquistem a confiança dos sauditas. É quando, então, Fleury consegue o auxílio do coronel Faris Al Ghazi (Ashraf Barhom, talvez o melhor do elenco) - designado a proteger os visitantes.
O filme até começa de forma interessante, visto que relembra resumidamente alguns fatos marcantes da história do Oriente Médio - mesmo já apresentando a dicotomia asquerosa reinante em Hollywood. A partir daí, tem-se o fiapo de esperança de que um filme ao menos razoável de acompanhar possa surgir, tamanhas as possibilidades do enredo. Porém, Carnahan opta erroneamente por fazer da missão dos agentes do FBI uma espécie de episódio estendido da série C.S.I. Episódio dos ruins, aliás. Sinóptico, faltando criatividade e empolgação, "O Reino" carece essencialmente de uma trama mais urdida. Carnahan, assim como em "Leões e Cordeiros", assina diálogos rasteiros, preparados propositadamente (difícil não pensar assim) aos norte-americanos e, dessa forma, desprovidos de profundidade, de força política que gere a menor reflexão. Forjador de situações, o roteirista prefere o cansativo mais do mesmo - assim como em "Leões e Cordeiros". Até os desnecessários conflitos dramáticos que se sucedem são expostos sem convicção.
Para completar, vemos personagens que enfastiam de tão pouco convincentes. Adam Leavitt (Jason Bateman) é, sem dúvida, o pior deles. Sem um concreto objetivo na trama, sua presença serve apenas para guiar a história a um novo caminho - que, caso fosse seguido desde o início, poderia levá-la a um resultado satisfatório. O especialista em bombas Grant Sykes (Chris Cooper) e a médica Janet Meyes (Jennifer Garner) da mesma forma decepcionam, já que são submetidos a eventos deprimentes - a maneira como Sykes descobre uma ambulância explodida pelos terroristas e a cena em que a doutora Meyes entrega um pirulito (!) a uma criança muçulmana são particularmente constrangedoras. Nem mesmo o “herói” Ronald Fleury (leia-se Jamie Foxx) possui o carisma obrigatório para segurar um filme longo como este. Sua relação com o filho, bem como com os filhos dos amigos mortos, não tem o menor cabimento - funciona apenas como apelação emotiva. Mas o pior mesmo é ter de agüentar suas frases maniqueístas, manipuladoras.
O que garante ao menos uma nota quatro ao filme é a sua parte técnica qualificada, apesar de padronizada. Tirando a câmera irritantemente nervosa de Berg (que cansa a vista) e a música bastante impressionista de Danny Elfman (também irritante), todo o resto está ótimo. A iluminação de Mauro Fiore é intensa (quando em ambientes fechados) e cáustica (quando as imagens desérticas são captadas). Vale destacar também, e principalmente, o primoroso trabalho de Tom Duffield no desenho de produção. Reconstituindo com perfeição espaços tipicamente sauditas em Mesa, no Arizona (EUA), Duffield assumiu que este trabalho foi um dos mais difíceis de sua carreira - afinal, todo o projeto foi baseado em complicadas pesquisas, pois a Arábia Saudita não é muito chegada à fotografia (no caso, o principal material de estudo), dificultando o acesso a detalhes desejados por Duffield em sua cenografia. Além disso, há em "O Reino" seqüências de ação bem feitas (mas sem novidades, diga-se), proporcionando um consolo aos que esperaram quase uma hora e meia para vê-las.
Exigir aqui um trabalho decente dos atores é covardia. Os protagonistas até tentam transmitir certa veracidade (eles inclusive passaram, antes das filmagens, por um treinamento com armas de fogo), porém, em virtude do roteiro paupérrimo, atuar de verdade fica difícil. Tecnicamente muito bom, o quarto filme de Peter Berg (que este ano já tratou de lançar outra bomba cinematográfica, "Hancock") localiza-se bem abaixo do limite de ruindade tolerável por causa fundamentalmente do péssimo desempenho do roteirista Matthew Michael Carnahan, que redige uma história com diálogos políticos ordinários, condenáveis em todos os sentidos. Todavia, o mais impressionante é constatar o nome do cultuado cineasta Michael Mann - diretor de produções como "Fogo Contra Fogo" e "O Informante" - entre os produtores de "O Reino" (juntamente com os de Scott Stuber e do próprio Peter Berg), tendo gastado cerca de 80 milhões de dólares com este filme horrendo.
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