O Refúgio (Le Refuge, 2009) abre com um casal seguindo uma rotina de consumo de drogas dentro de um apartamento, através de agulhas nas veias que bem poderiam ser injeções de ânimos em suas existências, funcionando como a primeira forma de refúgio que François Ozon mostrará ao longo do seu filme. Outras formas virão após desse quadro decadente, depois de Mousse (Isabelle Carré), a garota, escapar de uma morte anunciada por overdose de heroína, que vitimou o seu namorado Louis (Melvil Poupaud). Ao acordar de um coma de algumas horas, a personagem mal tem tempo de lamentar o desaparecimento do companheiro, ao ficar sabendo por seu médico que carrega no ventre um filho do falecido amante.
O que Ozon filma é a dúvida de Mousse se conserva ou não em seu corpo o rebento deixado pelo antigo amor, se vale a pena levar adiante a gravidez inesperada. O corpo se transforma, do seu ventre surge o sentido de renovação. Mousse, ainda em processo de encontrar seu lugar no mundo, tateia no escuro à procura de significados, mas o que o filme mostra é justamente o sentido dessa procura. A mãe de Louis incita para que a moça escolha pelo aborto, e sentindo-se sozinha e ainda hesitante quanto à decisão a ser tomada, Mousse foge para uma casa na praia longe de Paris, prosseguindo a busca de preencher seu cotidiano com algo que possa lhe interessar, mas o sentido completo dessa experiência lhe falta, tão incapaz que sempre esteve de superar a forma fria e automática do que lhe era previamente reservado. A partir dessa fuga, Mousse precisa construir para si mesma o seu ninho que lhe servirá como refúgio, e com ele atingir prazer e sofrimento próprios.
Movida pela curiosidade de saber a cor dos olhos do bebê por nascer, de tocar-lhe os pés, de conferir se carrega na fisionomia os traços do pai, Mousse vai assimilando a nova condição e se deixando continuar grávida, menos no desejo de ser mãe do que pela vontade de perpetuar no filho um pouco do homem amado. A atriz principal, como a personagem, também esperava um filho, e as filmagens acompanharam a gravidez da intérprete. Para Ozon, a maternidade é um mistério da mulher que escapa ao homem, e esse mistério é que o cineasta tenta captar (ou compreender) com as lentes de sua câmera.
Quem vai a procura da garota é o irmão do namorado falecido, um dos tantos personagens gays (ou bissexuais) recorrentes na filmografia de Ozon. Paul (Louis-Ronan Choisy, cantor e compositor popular na França) se instala na casa de praia e se torna a companhia da futura mãe, acompanhando o seu processo de transformação. A partir daí há uma trama sobreposta em O Refúgio, a da relação de Mousse com o cunhado homossexual, que arranja um namorado no local, mas que também passa por dilemas particulares advindos de sua condição.
O Refúgio é um filme curto e rápido como uma temporada de verão no litoral, e as cenas a beira mar parecem pagar tributo aos filmes de praia do genial Eric Rohmer (ao menos na lembrança dos seus admiradores mais incondicionais). A liberdade erótica (mas comedida) geralmente presente nos trabalhos de Ozon também marca presença discreta e forte ao mesmo tempo, mas sem nunca desviar a atenção para o verdadeiro interesse do cineasta: O Refúgio é uma história de gestação.
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