Muito do que há de pior na realização cinematográfica está reunido em Recém-Chegada.
Seria uma maldade dizer que Recém-Chegada é um filme desnecessário. Pelo contrário, é um primor que vem a sanar várias necessidades do mercado de consumo de cinema atual. Serve para abarrotar os canais de TV paga, com sua gigantesca e modorrenta programação de filmes predominantemente inúteis. Também é um típico exemplar que preenche a seção de lançamentos da decadente vídeo-locadora próxima de sua casa. Não é um arrasa-quarteirão, mas é mais um “job”, mais um projetinho na linha de produtos de Hollywood que soma-se a pilha de demais títulos irrelevantes que nascem somente para contribuir no balanço anual de faturamento.
Como desgraça pouca é bobagem, é ainda muito mais. Tira do ócio e leva pra rotina de trabalho estrelas semi-atrizes como Renée Zellweger, que entre um filme “grande” e outro (porcarias como Chicago e Cold Mountain), faz o seu ganha pão sem muito comprometimento com gracinhas que atendem pelo filão de comédia romântica. Um gênero igualmente necessário, que sacia o gosto do público mais rasteiro do cinema, que se identifica com pérolas da mediocridade como O Diário de Bridget Jones, onde as tais estrelas podem aflorar todo o seu maneirismo, maquiando a falta de talento e dando legitimidade a superficialidade - um recurso bem utilizado por picaretas como Jennifer Anniston, Meg Ryan e Julia Roberts.
Sem mencionar a reunião dos cacoetes: é a clichezada reunida em peso, sem medo de parecer repetição ipsis literis de milhões de filmes banais já existentes, com a cara-de-pau de chamar o espectador de idiota ao propor uma história previsível além do limite da boa vontade. Entre uma piadinha ou outra sobre mamilos duros e tiros em nádegas, desenrola-se uma paixão sem a menor liga entre Lucy Hill (Renée Zellweger), a princesinha rica da cidade grande, e Ted Mitchell (Harry Connick Jr.), o caipirão pobre e barbado, um sindicalista nada asseado. Eis que, pela milionésima vez, o melodrama do séc. XIX, infelizmente tão presente ainda na nossa cultura, o mesmo que aburguesou o cinema e deu origem a tele-novela, dá as caras por aqui: a bela se apaixona pela fera! Diferenças culturais. Diferenças de classe social. Guerra dos sexos. Solteirão em dificuldades com filha adolescente. Mulher emancipada, atuante no mercado de trabalho descobre, ora pois, que o bom da vida está nas pequenas coisas. O triunfo do amor!
Uma vez que propõe emoções pré-fabricadas, inunda as cenas com trilhas e canções (baladinhas que agradam em cheio a meninada high school) que indicam exatamente o que o espectador deve sentir, tornando a linguagem massiva, redundante e idiotizante. A fotografia é eficiente, bem realizada tecnicamente, porém gratuita. Não tem caráter artístico nenhum, não é olhar de um realizador: os establishing shots, ou seja, as imagens em plano geral que ambientam os inícios das cenas, são pura confecção de cartão postal - e não cinema.
Ironias à parte, Recém-Chegada é um notável exemplar dos problemas que um filme pode ter quando é exclusivamente concebido em cima de fórmulas rígidas de roteiro, seguindo um padrão estritamente protocolar e formulaico, a fim de garantir retorno seguro em bilheteria. O resultado é invariavelmente um filme dispensável, por não trazer nenhuma particularidade, nenhuma surpresa: quando tudo é absolutamente previsível, o cinema peca em sua premissa básica: é incapaz de envolver emocionalmente o público. E não pode haver resultado pior, ainda mais para uma comédia romântica que parte justamente deste tipo de apelo.
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