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Críticas

Cineplayers

Muito barulho por nada?

4,5
Com o mundo guinando para o lado de uma invasão do "cinema de gênero", invasão essa que foi iniciada nessa década e cuja força vem sendo comprovada a cada nova temporada, com hits de público e crítica, demorou para o Brasil investir de maneira efetiva no filão. Com o caso isolado de três anos de Isolados, de Tomás Portella, já ficando longe e sendo também esse filme um exemplo que não deu certo em aceitação, só agora nosso cinema volta a investir no setor com a estreia de O Rastro. Antes, entendam: o 'cinema de gênero' no nosso país anda muito bem, obrigado, e nomes como Marco Dutra, Juliana Rojas, Anita Rocha da Silveira, Petrus Cariry, e agora até Kleber Mendonça Filho estão levando essa pegada fantástica adiante. Mas na seara blockbuster ainda estamos patinando. 

Vindo da publicidade, JC Feyer estreia nos longas justamente com o intuito e a responsabilidade de chamar pra si uma categoria de filmes que está em voga no mundo todo. Do Irã à Espanha, do México ao Japão, todos estão produzindo trabalhos de infinitas qualidades dentro do cinema de gênero, que obviamente tem servido - na verdade sempre serviu - de metáfora para muitas realidades, como espelho de tantas crises, particulares ou globais. Feyer simplesmente não teve medo da competição e das óbvias comparações, mas tratou de se cercar do mais bem cuidado material possível. Para a fotografia chamou Gustavo Hadba; para a direção de arte, Daniel Flaksman - dois profissionais invejáveis em suas áreas, que repetem o excelente trabalho aqui. Com montagem também eficiente, nas mãos de Tainá Diniz e Márcio Hashimoto, O Rastro de fato mostra que tecnicamente tudo estava acertado e adiantado. Mas falta a Feyer experiência para ir além do que se imagina e ter vida própria, na mise-en-scène e principalmente no roteiro de André Pereira e Beatriz Manela, que precisaria ser mais tratado. 

Querendo usar como pano de fundo as corrupções e CPIs, para surfar numa onda de fácil absorção pelo público, o filme acompanha um jovem médico que virou burocrata da saúde, vivido por Rafael Cardoso. Ele tem pra si a incumbência de remanejar os pacientes de um hospital decadente em péssimas condições para atendimento adequado em outro local, além de baixar as portas do mesmo, tendo também que lidar com o diretor do tal hospital, seu mentor e amigo pessoal. No meio dessas remoções, uma pequena paciente desaparece, e o rapaz começa a devanear sobre o caso no interior do hospital abandonado, muito provavelmente também regido por forças sobrenaturais. Paralelo a isso sua esposa grávida vivida por Leandra Leal vai ter papel crucial no desenrolar dos acontecimentos e de uma investigação até o plot twist acontecer, ainda faltando meia hora pro fim do filme e de fato chamar a atenção. 

Mas não existe qualidade de plot twist se você em outras instâncias lida com clichês e desperdiça um elenco em personagens inexplicáveis, como Claudia Abreu, Jonas Block e o saudoso Domingos Montagner. Além de diálogos problemáticos e desse delineamento ruim de algumas situações, O Rastro ainda incorre num problema incômodo de som aliado a 'jump scares' inacreditáveis e sem qualquer propósito, que não assustam, são muito gratuitos e mal pensados. Ironicamente o filme sabe mergulhar num bom clima de suspense e consegue envolver com sua atmosfera decadente e lúgubre; o problema são os detalhes, e o filme é cheio de detalhes problemáticos. O filme ainda cai num triste lugar comum para o cinema brasileiro em geral, que é polvilhar o todo de participações especiais chinfrins atores excelentes como Érico Brás, Alice Wegmann, Sura Berditchevski e Marcelo Olinto, alguns falando uma frase no filme e funcionando como uma espécie de 'easter egg', só que aparentando mais envergonhar o ator que divertir a plateia. 

Se no fim das contas estamos em mais um típico caso de "inferno cheio de boas intenções", o cuidado com o qual Feyer tentou se cercar e o visível carinho com o projeto do qual ele se dedicou por oito anos arejam sua estreia no cinema e parecem mandar uma mensagem para si mesmo, onde o melhor seria usar empenho igual tanto na paixão pelo projeto, nas técnicas cinematográficas para empregar num longa mas também uma releitura de roteiro, um empenho em melhorar os diálogos e o desenho dos personagens, e entender que na maior parte das vezes menos é mais. Ele está no caminho certo para delegar tarefas e no olhar aguçado, e talvez na próxima vez ele precise estudar um pouco mais o primal em um projeto, seja do gênero que for. Porque aqui pelo menos todas as culpas são dele. 

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