Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Obra estrelada por Virna Lisi rendeu prêmio para a atriz em Cannes.

8,0

Apresentado em 1994 no Festival de Cannes, de onde saiu com o Prêmio do Júri e o de melhor atriz para Virna Lisi, A Rainha Margot, de Patrice Chéreau, dividiu opiniões. A maior parte das críticas centrava-se na sua metragem excessiva, na violência das imagens e, principalmente, na trama: confusa, cheia de personagens e com obscuras passagens históricas, indecifráveis para quem não estivesse habituado com as futricas da monarquia francesa. Resultado: o filme foi lançado nos cinemas na Europa (exceto França e países de língua francesa) numa versão reduzida em 15 minutos. No restante do mundo, valeu uma ainda menor (menos 22 minutos) e encomendada pela Miramax para o mercado dos Estados Unidos (Brasil incluído, é claro), basicamente concentrada na história de amor da católica Marguerite de Valois, a Margot (último grande papel de Isabelle Adjani no cinema) com seu amante protestante, Lerac de La Mole (Vincente Perez), depois do fracasso de bilheteria do filme na França.

A trama, já não muito clara no original, ficou incompreensível nas versões posteriores, e até mesmo uma cena para deixar mais clara a relação dos amantes foi incluída a pedido dos irmãos Weinstein (os amantes enrolados apenas numa toalha vermelha). Só em 2008 a obra saiu em DVD, e o diretor, já consagrado e repleto de prêmios, pôde enfim lançar sua versão (director’s cut) com a metragem original de 2h40’, que chega agora, em 2014, vinte anos após o lançamento, em formato Blu-Ray, depois da morte do diretor ano passado. A ideia de Chéreau e sua equipe foi a de adaptar para as telas o conturbado romance homônimo de Alexandre Dumas, pai, sem reduzir sua complexidade e violência. O filme é, portanto, além de rocambolesco, extravagante, barulhento e visceral – e é isso que vemos na tela.

O cineasta começa seu filme de maneira caótica, entulhando personagens, intercalando tramas e metralhando diálogos: “Tenho vocês protestantes em boa conta, pois mantêm uma confiança em Deus que nós já perdemos”, alfineta um. Chéreau, mais conhecido por suas montagens teatrais e óperas, consegue belas passagens exatamente por suas qualidades na encenação exuberante, com a câmera grudada no corpo e no rosto dos atores, além do ritmo, todo particular. Filma com gosto a Margot, que perdeu a virgindade para o irmão (a quem manteve como um dos amantes) e, no dia das núpcias, expulsa o marido do quarto e vai para as ruas com uma máscara em busca de um homem (faz sexo com La Mole num beco), enquanto um bacanal corria solto nos seus aposentos. E Adjani, mais bela que nunca, de cabelos pretos caídos na imaculada pele branca, com os seios implorando pela atenção dada a seus olhos azuis, está a altura dos desejos do diretor, soltando suas falas com som e fúria, mesmo não sendo uma boa atriz.

O filme ficou mesmo conhecido por ser a versão mais carnal para as telas do Massacre da Noite de São Bartolomeu – D. W. Griffith fez um delas, em Intolerância –, quando, na noite do casamento da irmã do rei (Margot), católica, com o huguenote Henri de Navarre, houve o assassinato de 6.000 protestantes convidados para as bodas – outros 1.000 foram obrigados a se converter a força. As cenas podem ter parecido violentas em 1994 mas, hoje em dia, da maneira como o cinema descambou na violência, a chacina não assusta mais ninguém – até porque quem venceu Cannes de melhor filme naquele ano foi Pulp Fiction - Tempo de Violência, de Quentin Tarantino, tão violento quanto. A carnificina de Chéreau espanta mais pela beleza da fotografia de Philippe Rousselot, que aproxima as imagens dos quadros barrocos do período (1572), em especial Goya (nas mortes) e Rembrandt (na corte). Da sensualidade das cenas, não escapa nem a camareira de Margot (a grande Dominique Blanc): ao ver o banho de sangue, fica com um tesão danado, ajuda a degolar um protestante e sai a procura de um homem, de qualquer religião, ou até sem nenhuma, para se aliviar.

Terminada a matança, o filme se aquieta e se torna mais linear. Só a primeira hora do filme é confusa. Depois, o filme revela suas fontes populares, cuja base é um folhetim. Chéreau conduz a obra como uma ópera, mas deixou a base clara, o que só aumenta o prazer de ver tanta sofisticação em cenas tão prosaicas, seja por conta dos suntuosos figurinos (Moidele Bickel), da música de Goran Bregović (interpretada pela mezzo-soprano israelense Ofra Haza) ou as belas paisagens da região de Mafra, Portugal, e Bordeaux, na França, onde foi filmado. Ao recuperar o andamento clássico da trama, longe do caos do início, Chéreau consegue a dimensão operística que imaginou para o filme, quando todos os elementos começam a funcionar juntos, mesmo que historicamente pairem várias dúvidas após o término do filme – não é mostrado, mas Henri, o marido de Margot, será finalmente rei, pondo fim aos 300 anos da dinastia Valois e dando início ao reinado dos Bourbons.

Comentários (5)

Rodrigo Cunha | quinta-feira, 18 de Dezembro de 2014 - 18:36

Só uma curiosidade: o Demetrius escreveu o texto antes dela falecer.

Lucas Souza | quinta-feira, 18 de Dezembro de 2014 - 18:38

Por incrível que pareça, saudades dos textos do Caesar 😲
Filme show!

Francisco Bandeira | quinta-feira, 18 de Dezembro de 2014 - 18:49

Acho que ele editou alguma coisa. 😁

Adriano Augusto dos Santos | sexta-feira, 19 de Dezembro de 2014 - 08:12

Adoro essa Margot.Adjanni é linda demais,beleza sensual.
E esse jogo palaciano violentão é um espetaculo mesmo sendo confuso mesmo.

Faça login para comentar.