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Críticas

Cineplayers

Um filme que tinha tudo para dar certo, mas a falta de sutileza deixa o resultado final sem sal.

7,0

O que deu errado em A Prova? Era impossível que o filme saísse ruim, pois a produção reuniu todos os elementos necessários para um grande acontecimento. É baseado no aclamado texto de David Auburn, adaptado por ele e por Rebecca Miller para o cinema. O elenco é primoroso, com Gwyneth Paltrow, Anthony Hopkins, Jake Gyllenhaal e Hope Davis. Na direção, John Madden, veterano do teatro, responsável por ótimos filmes como o premiado Shakespeare Apaixonado. Ademais, o diretor Madden e a atriz Paltrow fizeram a peça em Londres com fortes elogios (Paltrow chegou a ser chamada de a nova Grace Kelly). E, ainda assim, A Prova é um filme decepcionante.

O que impressiona no texto de Auburn é a secura absurda, a ausência de clichês e “teatrices” ou quaisquer outras muletas (e são muitas) usadas por dramaturgos, atores e diretores para dar um caráter “artístico” à sua obra. Num termo usado à época, “ultrarrealista”. “A Prova”, a montagem, surgiu em Chicago em 2000 e logo foi sucesso de crítica e público. Rapidamente chegou à Broadway (com Mary-Louise Parker), num curto espaço de apenas dois anos. Filas enormes e sucesso estrondoso. Prêmios, muitos prêmios, entre eles o Tony e o Pulitzer, os dois, juntos, no mesmo ano. Em Londres, chegou ao West End nas mãos da companhia de Sam Mendes, com produção badalada. Para a americana do título, uma atriz que acabara de ganhar o Oscar. No Brasil, ganhou uma impecável e vibrante montagem de Aderbal Freire Filho, com Andréa Beltrão e Emilio de Melo inesquecíveis.

Não funcionou porque cinema não é teatro, são linguagens diferentes e, muitas vezes, distantes e sem contato. Há uma série de desvãos na peça que forçava o espectador a tentar imaginar o que se passava na atormentada mente da protagonista. No cinema, os produtores optaram por deixar mais claro o jogo. Foi onde acabou a magia da peça. Facilitaram a compreensão, cortaram sutilezas. Gyllenhal e Paltrow fazem sexo aos 30 minutos de filme, relação que era muito mais complexa no texto original.

Paltrow se esgüela e faz biquinhos. Aos 32 anos, faz uma personagem de pouco mais de 20 (no filme, envelheceram-na para 27). Não está crível. É boa atriz, como provou em Sylvia, no papel da escritora suicida. Mas não aqui. Gyllenhaal se comporta como um adolescente caipira. Sobra para Hope Davis, e somente ela, a única boa interpretação do filme (Hopkins desistiu de ser ator faz tempo). Madden entende de atores, mas sua narração não deixa vislumbrar a evolução das personagens. O andamento do filme é muito arbitrário para um texto tão sugestivo. De qualquer forma, “A Prova” é para ser vista no teatro.

Foi um grande começo de década para o teatro. Yashmina Reza escrevera “Art” na França sobre o monocromatismo nas artes plásticas, Margareth Edson lançou sua linda “Wit” na Inglaterra (no cinema, Uma Lição de Vida, com Emma Thompson), falando de câncer e do poeta barroco John Donne, e David Hare conseguiu mais uma obra-prima, “Amy’s Point of View” (no Brasil, "Ponto de Vista", com Beatriz Segall em estado de graça). No ano seguinte, Tom Stoppard escreveu “Arcadia” e Stephen Frayn, “Copenhague”. Todas exigentes, complexas, com temas áridos. As relacionadas à ciência traziam muitos detalhes e nunca subestimavam o espectador. “Copenhague” tinha três horas e meia de duração com sua longa discussão (porém nunca entediante) sobre a Teoria das Probabilidades. Dava quatro versões sobre o encontro de dois cientistas que mais tarde contribuiriam, voluntariamente ou não, para a construção da bomba atômica.

De 2000 para cá, o teatro reencontrou a inteligência. Com o cinema, infelizmente, isso ainda não aconteceu.

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