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Críticas

Cineplayers

Quando ouvir é tão importante quanto matar.

7,5
Tenho um palpite sobre os motivos que transformaram essa dupla de filmes, tanto o original de quatro anos atrás quanto essa nova estreia, num grande sucesso de público. Em tempos de polarização política e comportamental, onde o conflito é buscado diariamente pelos usuários da rede mundial de computadores, onde as pessoas travam diárias guerras virtuais em busca de reafirmar suas opiniões e invalidar a do próximo sem ouvi-la, sobra a Robert McCall algo muito em falta nos dias de hoje: empatia. O protagonista que nasceu na série de sucesso dos anos 80 voltou à tona na pele carismática de Denzel Washington com os valores intocados, uma profunda capacidade de se colocar no lugar do outro, ouvi-lo, demonstrar sua solidariedade com palavras e se não houver outro jeito, com ações. A ausência de empatia que parte também do público é provavelmente a fórmula do sucesso dos filmes, em mais uma dose de ironia diária que a sociedade nos oferta.

Os dois longas foram protagonizados por Denzel e dirigidos pelo seu parceiro Antoine Fuqua, repetindo a dupla que se iniciou com o Oscar de melhor ator ganho em 2001 por Dia de Treinamento, e que rendeu um quarteto de filmes de sucesso. Fuqua é oriundo do videoclipe e estreou no cinema com o que talvez seja seu filme mais interessante, o hoje esquecido Assassinos Substitutos, estrelado por Chow Yun-Fat e Mira Sorvino há 20 anos. Sua carreira se especializou nos longas de ação e ao lado de Denzel ele adquiriu prestígio e viu seu cinema se elaborar. Essa continuação é a única da carreira do ator e isso deve ser uma prova do poder de persuasão de um com o outro. E a verdade é que os filmes não apenas se equivalem como também parecem conectados a sua origem, como se fossem dois capítulos de uma mesma história, que se comunicam, descortinam novos aspectos sobre a identidade de McCall e agregam ainda mais humanidade ao personagem.

Num grupo onde habitam Chad Stahelski e David Leitch, o que Fuqua propõe não tem um alcance de elaboração imagética que os diretores de John Wick estão construindo nessa levada de sofisticação com o gênero hoje. Mas Fuqua é honesto, competente, dedicado e entrega o produto certo, o pacote exato que o espectador comprou. Ao lado do experiente roteirista Richard Wenk, o material entregue fala com o público pelo carinho com que cada personagem do filme é tratado, despertando aí os mesmos sentimentos no público e em McCall, e pelo cuidado com que trata seu desenvolvimento, não deixando pontas soltas ou situações sem desfecho. Um produto que poderia estar na prateleira inócua mais próxima mas que vale da capacidade de escutar de seu protagonista, e ser a pessoa mais carinhosa possível com todos a sua volta, daqueles seres raros até no cinema.

Tecnicamente o filme se segura em dois pilares de experiência. A montagem fica a cargo do oscarizado Conrad Buff (Titanic e O Exterminador do Futuro 2), que constroi os tempos do filme com precisão cirúrgica, a tensão conectada à ternura tão cara ao protagonista, intercalando e ditando o ritmo com astúcia. A fotografia é assinada por Oliver Wood, o homem por trás da série Bourne e também pelo clássico A Outra Face, e esse veterano prova que, ao lado da direção de arte, conseguiu criar a atmosfera necessária para um filme com dois lados tão opostos e bem marcados. O filme ainda se dá ao luxo de homenagear John Woo em seu desfecho, e talvez essa cena não seja à toa quando o fotógrafo de um dos grandes filmes do mestre da ação chinesa está no projeto.

Por falar em desfecho, é lá que está a cereja do bolo. Fuqua leva Denzel, seu amigo Pedro Pascal (atenção: ambos têm uma cena no parque tomada de real emoção) e um grupo de coadjuvantes para um desfecho numa cidade beira-mar em meio a uma tempestade absurda, e recorta lá as mais bonitas tomadas do longa, em um trabalho de clara dificuldade e que rendeu muitos dias de filmagens, tamanha a complexidade e a quantidade de elementos diferentes e conflitantes do ponto de vista da engenharia de produção. O filme ainda conta com uma eletrizante luta dentro de um carro, o clímax da personagem de Melissa Leo, e um encontro de McCall com rapazes jovens em um hotel, todas um grupo de cenas caprichadas. Mas apesar de tudo isso, do talento inegável de Denzel, do desfecho maravilhoso com a premente chegada de um tufão, e da energia que o filme entrega, provavelmente são as características empáticas que definem o protagonista e seus longas o que siga com o público após a sessão.

Comentários (1)

Alexandre Koball | quinta-feira, 16 de Agosto de 2018 - 22:22

Notão. O primeiro é super divertido.

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