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Críticas

Cineplayers

Um belíssimo trabalho do diretor Kevin Smith, sensível e bem liberal.

8,0

Depois de estrear causando impacto com O Balconista e decepcionar com Barrados no Shopping (que não é tão ruim assim), Kevin Smith realizou, em 1997, aquele que permanece como seu filme mais maduro até hoje: Procura-se Amy. Repleto de referências à cultura pop e diálogos inspirados (características presentes na filmografia do cineasta), Procura-se Amy foi a consagração de Smith como um dos roteiristas mais interessantes e originais dos anos 90.

No filme, Ben Affleck interpreta Holden McNeil, desenhista responsável por uma série de quadrinhos de relativo sucesso. Morando com seu amigo e sócio Banky, Holden conhece Alyssa, uma garota lésbica pela qual acaba se apaixonando. As dificuldades deste relacionamento acabam influenciando a vida dos três.

Com conteúdo e sensibilidade até então insuspeitadas em sua carreira, Kevin Smith construiu uma comédia romântica focada 100% no roteiro e nos atores, oferecendo belas análises sobre o comportamento e os relacionamentos humanos, tanto em termos de amor quanto amizade. O cuidado com o texto e o desenvolvimento dos personagens eleva o filme da categoria de mera comédia bem escrita, fazendo de Procura-se Amy uma obra de conteúdo e inteligência.

Como não poderia deixar de ser, o forte do filme são os diálogos concebidos por Smith. Seja nos momentos bem-humorados (como na teoria sobre a relação entre Star Wars e o negro) ou nas cenas mais sérias (a discussão entre Holden e Alyssa fora do estádio de hóquei), as falas ditas pelos personagens mantém-se em alto nível, versando sobre temas diversos como cinema, quadrinhos, relacionamentos, escolhas e sexo, muito sexo. Aliás, este último assunto é tão constante e tratado de maneira tão liberal pelo roteiro, inclusive com discussões abertas sobre lesbianismo e penetração, que pode até chocar os mais puristas. Mas é inegável: a abordagem de Smith a todos estes temas é sempre original, jamais se rendendo a clichês.

Da mesma forma, o cineasta/roteirista demonstra naturalidade ao transitar em um território conhecido. Cercado por cultura pop (Smith é, ele próprio, um viciado em cinema e quadrinhos) e tendo como base para a trama um próprio relacionamento seu, Smith desenvolveu uma história bastante realista, com personagens inseguros, inexperientes e cheios de dúvidas. É fácil acreditar no que acontece em Procura-se Amy e mais fácil ainda entender os motivos das atitudes dos personagens, mesmo que elas sejam erradas.

Apesar do tema sério, inclusive com pertinentes verificações sobre o preconceito (a cena no qual Alyssa diz para Holden porque se tornou lésbica é maravilhosamente escrita), o bom humor e talento de Smith para piadas evita que Procura-se Amy se torne um filme pesado. Diversos momentos vão alegrar o espectador, como a sempre ótima presença de Jay e Silent Bob, em outro momento brilhante do texto de Smith, quando Bob justifica o título da obra.

A grande maioria das seqüências divertidas é protagonizada por Jason Lee, que só não rouba a cena como Banky porque o resto do elenco se sai bem. Ben Affleck, por exemplo, entrega aqui um bom trabalho, bastante crível e eficiente, conseguindo transmitir as dúvidas de seu personagem (no entanto, ainda acredito que o papel poderia ter ido a um ator mais talentoso, como Matt Damon, também amigo de Smith e que tem uma ponta no filme).

Indiscutível, porém, que o grande destaque do elenco de Procura-se Amy é Joey Lauren Adams. Com uma apaixonada dedicação à personagem, a atriz constrói Alyssa como uma pessoa complexa, aproveitando-se do roteiro para fugir de qualquer estereótipo em sua composição. As cenas protagonizadas por Adams são brilhantes; mesmo com seu passado, Alyssa é a personagem mais madura do filme, vide a lição dada em Holden como resposta à proposta dele ao final.

Ainda que perca o ritmo em alguns momentos (Smith é muito mais roteirista do que diretor), Procura-se Amy é um filme inteligente e sempre interessante. Sente-se, na tela, a paixão do cineasta por seus personagens e de todos pelo projeto. Kevin Smith, a exemplo de Quentin Tarantino e Robert Rodriguez, parece se divertir fazendo cinema, fato que fica impresso no resultado final. Não é o melhor filme do cineasta (ainda prefiro O Balconista e Dogma), mas é sua obra mais madura e sensível. Merece uma olhada.

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