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Críticas

Cineplayers

Os clichês do horror como seu próprio frescor.

7,0

Durante a apresentação de seu filme na 28º Mostra de Cinema de Tiradentes, o diretor Rodrigo Aragão chegou muito perto de se emocionar ao relembrar de quando lançou no mesmo festival ao lado do emblemático Zé do Caixão o filme Fábulas Negras, dez anos atrás. Que esta é uma das principais referências e inspirações para Aragão, já é óbvio desde que o cineasta nos trouxe Mangue Negro. Mas é claro que, como o fã declarado do próprio gênero que é, o leque de Aragão é ainda mais vasto do que isto. A própria filmografia do cineasta é marcada por projetos que se formam através de referências e inspirações, que passeiam do próprio Zé do Caixão até Sam Raimi e Takashi Shimizu.

Em Prédio Vazio, primeiro filme urbano filmado por Aragão e, por si só, uma expansão inédita dentro das suas possibilidades de experimentação, a proposta se apresenta a mais ambiciosa de sua carreira. Aragão adentra no terreno das mães raivosas e superprotetoras, que extrapolam escrúpulos em nome da proteção de suas crias (ares de Carrie - A Estranha por todos os poros). Luna (Lorena Corrêa) é uma jovem rebelde que parte, ao lado do namorado (Caio Macedo), em busca de sua mãe na cidade de Guarapari em um prédio abandonado, gerenciado por uma estranha mulher (Gilda Nomacce, grande sensação desta edição da Mostra de Tiradentes) que parece esconder diversos segredos sobre aquele lugar.

Aragão, como bem sabemos, não é um cineasta da reinvenção. E nem precisa. Como um devoto do horror e de seus códigos, existe uma eficácia inegável por parte de sua direção e roteiro ao elaborar uma experiência de 80 minutos que passeie por todos os pontos de catarse que um filme num prédio mal assombrado pode acontecer (alguém aqui pensou em O Iluminado?). Sustos, sangue, cenários de aspecto abandonado e sem vida, fantasmas, maquiagens pesadas… Prédio Vazio vai de encontro a todas as exigências para se assumir como uma peça do gênero, mas mais do que isso, Aragão não deixa de lado o uso de um humor bastante peculiar para apontar a economia local movimentada pelo capitalismo vs o abandono desses espaços urbanos que se tornam “espaços-fantasma” após a chamada baixa temporada. É, a especulação imobiliária é mais assustadora do que parece.

E antes de ser um aficionado pelo gênero, Aragão é um capixaba que também enxerga na sua própria cultura uma chave de potencialização da dramaticidade suas imagens. Como um artesão nato, o cineasta subverte todos estes clichês à lá brasileira, aproximando o banho de sangue e sustos de uma regionalidade facilmente identificável e relacionável para o público. É um trabalho de naturalização da nossa cultura realmente louvável e impressionante. Neste espetáculo, Gilda Nomacce é a principal atração. A atriz recebe todas as oportunidades para deitar e rolar num papel que é pérfido e despretensioso ao mesmo tempo, cartunesco no ponto certo pra que o rosto de Gilda assuma alguns frames emblemáticos para sua filmografia (o ato final, nossa!).

Aragão entende o horror como uma experiência de frescor. Frescor esse não necessariamente atrelado a algo mais original e fora da caixa, mas que encontra seus principais méritos na competência da realização, e principalmente, na devoção a um gênero de infinitas possibilidades. As palmas acaloradas ao final da sessão em Tiradentes foram mais que justificadas.

Filme assistido na 28ª Mostra de Cinema de Tiradentes.

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