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Críticas

Cineplayers

Um belíssimo e chocante documentário que traz um pouco de poesia à arte do suicídio.

9,0

Eric Steel faz sua estréia na direção de longas-metragens com este documentário de 2005, que chega aos nossos cinemas para se firmar como uma das melhores estréias deste ano. Não só pela qualidade documental da obra, muito mais do que isso. A Ponte é uma incrível análise da linha tênue que separa vida e morte, em um mundo que não consegue abrigar, de maneira eficaz, o diferente. A título de curiosidade, atualmente, há quase duas vezes mais suicídios do que homicídios, todos os anos. E com este filme, o diretor pretender alertar as autoridades para a necessidade de se tomar alguma providência, como a construção de uma barreira anti-suicídio na Golden Gate, local que mais de duas mil pessoas escolheram para morrer.

O documentário mostra o encanto que a Golden Gate Bridge exerce sobre aqueles que pretendem dar fim à própria vida. Não há, no mundo todo, um outro lugar que atraia mais pessoas com o objetivo de tirar a pópria vida. Pensando nisso, Eric Steel e sua equipe de produção passaram o ano de 2004 inteiro filmando a ponte e todos os suicídios e tentativas de suicídios que ocorreram nela. Além de capturar as imagens da ponte, o diretor gravou mais de 100 horas de entrevistas com testemunhas das mortes, familiares e amigos daqueles que foram ao cartão postal de São Francisco para dar adeus a este mundo.

A análise feita por Steel investiga a causa e as conseqüências do ato de suicidar-se. Um ato aparentemente repugnante pelo seu egoísmo - pelo sofrimento que causa às pessoas ligadas afetivamente ao suicida -, mas ao mesmo tempo, um ato de coragem, de libertação de um corpo que funciona como uma prisão para uma alma que não se encaixa no mundo que o abriga, uma vida sem a razão de existir e, por isso, muitos preferem a morte. Pode até, pela cultura religiosa ocidental, ser criticado e não aceito o fato de alguns preferirem abrir mão do direito à vida, mas, pensando racionalmente, que mal há nisso? Se existe o direito à vida, para os que sabem aproveitar o mundo em que estão inseridos, por que não o direito à morte àqueles que não sabem como, não querem, ou não conseguem fazer parte de um mundo belo apenas aos olhos dos outros? O filme não procura questionar a legalidade do ato, e sim o que leva as pessoas a interromperem suas vidas.

Buscando respostas para o suicídio, consegue-se pôr fim a muitos mitos. Em algumas entrevistas, captadas pelas lentes do diretor, descobre-se que tirar a própria vida não é necessariamente um ato irracional, movido a sentimentos momentâneos. Há, na grande maioria dos casos, todo um processo de estudo sobre um local, hora e momento para partir. Nada é decidido às pressas. No fundo, o ato ganha beleza ao se perceber que, deslocado da realidade da maioria, o suicida procura deixar o mundo da melhor maneira possível, saindo pela porta da frente, como um grande astro, sendo assistido por uma platéia heterogênea (turistas, motoristas, ciclistas). É complicado decifrar a mente humana, mas este documentário consegue penetrar neste estudo sobre nossas mentes. Muitos dos suicidas, além de não se sentirem parte integrante da sociedadde, são movidos por distúrbios explicados pela ciência, como distúrbio bipolar, psicose e depressão. Descobre-se, também, coincidências nos motivos que levam alguém a se matar.

Como obra documetal, A Ponte é um grade trabalho, e como cinema-documental também alcança resultados encantadores. As diversas mortes registradas, entrevistas com familiares, testemunhas e amigos dos que, por escolha própria, partiram deste mundo, são editadas de modo interessantíssimo, contando a história sem que haja um narrador em off. Tudo acompanhado por uma melancólica trilha sonora, que parece penetrar na alma do espectador durante essa experiência de se deparar com mortes reais. A Ponte é um filmaço, chocante, triste, encantador, emocionante, profundo, poético e imperdível.

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