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Críticas

Cineplayers

Singular e instigante filme da cineasta e atriz francesa Maïwenn Le Besco.

7,0

Interessante como no terreno já super-habitado dos filmes que querem se situar nesse intermediário entre a ficção e o documentário, se valendo de diferentes maneiras das possibilidades e limites de ambos e ainda do território impreciso que os demarca, ainda podem aparecer coisas relevantes e singulares. Este Polisse, da atriz e diretora francesa Maïwenn Le Besco, se coloca neste lugar, no qual o filme anterior de Maïwenn, Le Bal des Actrices (idem, 2009), também pode ser encaixado: estranho, aliás, o porquê deste último nunca ter sido lançado no Brasil, dada a sua óbvia pegada cult e consequente adequação a esta fatia do mercado de exibição.

Em Polisse vemos a dramatização de casos reais vistos por Maïwenn na divisão da polícia francesa responsável por crimes contra a criança e o adolescente (algo nesta ordem), onde passou alguns meses acompanhando depoimentos, ações, prisões, batidas e etc. Assistimos, então, a relatos de abusos físicos, sexuais e toda a sorte da baixeza, perversão e doença humanas, principalmente a partir de depoimentos de vítimas e criminosos. Ao mesmo tempo, Maïwenn constrói uma narrativa sobre os policiais que ali atuam: seu cotidiano, relações afetivas, brigas, intrigas e idiossincrasias.

Assim, o filme é ao mesmo tempo forte e contundente no que diz respeito a seu tema central e também instigante em seu aspecto de filme de personagens, o que só é possível em razão da força da encenação da diretora: é notável o quanto Maïween consegue estabelecer uma dinâmica de câmera, enquadramento e duração que gera performances singulares, vivas: em seu cinema os atores estão sempre vivazes, expressivos, tornando as cenas sempre calorosas. A câmera interage com os corpos, se aproximando e distanciando como que tentando entender seus movimentos. É incrível, por exemplo, a performance que Maïween extrai de seus atores infantis. No entanto, falta a Polisse uma montagem mais enxuta: muito longo, acaba por se exceder tanto nos relatos e casos colocados em cena quanto no desenrolar do enredo dramático entre aqueles que transitam pela delegacia. Não será surpresa se o filme perder uns bons vinte minutos após sua exibição em Cannes – o que, aliás, é muito comum de acontecer.

Outro ponto relevante é a presença da própria Maïween em cena: funcionando como uma espécie de dispositivo, sua figura é onipresente em Polisse, de maneira similar, aliás, ao que ocorria em Le Bal des Actrices; se no filme de 2009 vemos a atriz interpretando a si mesma num filme dentro do filme, aqui ela interpreta uma fotógrafa que, presente em todos os depoimentos e ações da polícia, possibilita à diretora uma quase onipresença de intenção autorreflexiva evidente. Em um filme com forte lastro de real Maïwenn representa a afirmação e reafirmação constante da instância criadora com uma insistência que por vezes soa pretensiosa e algo narcisística. 

De toda maneira, Polisse é o tipo de filme cuja seleção para a Competição em Cannes é compreensível e bastante justificável: forte, singular e instigante, nos faz, no mínimo, olhar com bastante atenção para o que esta jovem ainda nos terá a oferecer.

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