Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Law & Order em longa metragem: eficiente e descartável

5,5

Na condição de uma indústria de entretenimento, Hollywood sempre teve bem presente sua função de oferecer ao público exatamente o que ele queria ver, no momento e no formato adequados. É um fluxo meio de moda, que se movimenta de acordo com os interesses descontínuos dos espectadores. Para se captar o desejo dessas pessoas, um bom ponto de partida é saber o que elas estão lendo por meio das listas dos livros mais vendidos publicadas por revistas e jornais americanos. Dessa forma os estúdios resolvem dois problemas de uma só vez: eles partem de uma história pronta e, melhor que isso, que já foi testada e aprovada. Isso explica os ciclos de adaptações de determinados romancistas que, de tempos em tempos, invadem o cinema americano (vide os exemplos de Scott Turow, John Grisham, Dennis Lehane e, mais recentemente, Dan Brown).
 
A esse grupo de autores, Hollywood parece ter descoberto espaço para mais um: Michael Connelly. Apesar de uma obra literária bastante extensa, apenas um de seus livros tinha sido adaptado para a tela grande: Divida de Sangue (Blood Work, 2002), por sinal um dos filmes menos felizes de Clint Eastwood. Connelly ganha, agora, nova chance nos cinemas com O Poder e a Lei (The Lincoln Lawyer, 2011), versão do seu romance The Lincoln Lawyer, escrito em 2005, primeiro capítulo das aventuras do advogado Mickey Heller. Connelly voltou ao mesmo personagem em 2008, com O Veredicto de Chumbo, em 2010, com The Reversal, e em 2011, com The Fith Witness. Diante do – inesperado – entusiasmo com o que a crítica recebeu O Poder e a Lei e conhecendo como funciona a engrenagem de Hollywood, é bem provável os outros livros também cheguem às telas no médio e longo prazo.

A canção soul que escutamos durante os créditos iniciais dão o tom geral da história. Estamos no ambiente das ruas, dos becos, dos guetos, da criminalidade e da corrupção. Logo conhecemos o protagonista. Ele se chama Mike Heller (Matthew McConaughey). É advogado criminalita. Seu escritório é seu carro, um Lincoln Continental. No volante, seu fiel escudeiro Earl (Laurence Manson). Do banco de trás do veículo, ele controla a vida de seus clientes, formada em sua maior parte por gente da pior espécie. Mike sabe que é bom no que faz. A inscrição da placa de seu carro revela sua autoconfiança: NTGUILTY. É duro na queda no que diz respeito aos seus honorários. Seu lema é: sem pagamento não há trabalho. Quando um de seus clientes não honra o compromisso, ele não pensa duas vezes em deixá-lo na cadeia por mais algum tempo. No corredor do tribunais, transita com habilidade e segurança, oferecendo pequenas recompensas natalinas aos funcionários que considera estratégicos. Por vezes, do outro lado da bancada, ele é obrigado a enfrentar sua ex-esposa e promotora pública Maggie (Marisa Tomei).

O ponto de virada do roteiro acontece quando Mike conhece um playboy chamado Louis Rolet (Ryan Phillippe). O rapaz está sendo acusado de tentativa de estupro de uma prostituta. Ele alega inocência. Mike ouve sua versão dos fatos. Se o que seu cliente está falando for verdade, o advogado diz que aquela será a defesa mais fácil de sua carreira. Mike pede a seu assistente Frank Levin (William H. Macy) investigar a consistência das alegações de Rolet. A montagem do quebra-cabeça remete Mike a um cliente antigo, para quem ele orientou um acordo com a Promotoria. As semelhanças entre ambos os casos fará com que nosso herói reveja seus procedimentos, suas crenças, seus princípios e valores em relação à advocacia, à ética e à própria justiça.

O Poder e a Lei não consegue disfarçar seu jeitão de seriado americano. Por mais de uma vez, achei que estava vendo um episódio de Law & Order, só que dessa vez em longa metragem (é bem provável que, a essa hora, algum produtor de TV esteja bolando um novo piloto com base nas aventuras de Mike Heller). Apesar dessa sensação de material reciclado, e até por ser um produto para consumo rápido, é fácil gostar dele. Seu ator principal tem carisma; os coadjuvantes são talentosos; a narrativa tem ritmo; e a trama nos mantém suficientemente interessados até o final (a história lembra O Fio da Suspeita [Razor´s Edge, 1985], suspense com Glenn Close e Jeff Bridges). Ao final, a impressão é a de que vimos a um filme no mínimo eficiente.

O roteiro, de autoria de John Romano, de Noites de Tormenta (Nights in Rodanthe, 2008), acerta em alguns pontos. Os primeiros minutos servem para nos apresentar alguma das características do protagonista (sua habilidade em fazer acordos com a promotoria, sua frieza para negociar com criminosos). Inteligentemente não se perde muito tempo com essa exposição e logo se parte a história central (o encontro entre Mike e seu cliente acontece antes dos 10 minutos de projeção). As subtramas cumprem sua função de esclarecer ou enriquecer os personagens ou a trama principal. A relação entre Mike e sua ex-esposa, por exemplo, não é excessivamente explorada, porque ela não é importante para aquilo que importa ao filme. Num rápido diálogo entre ambos ficamos sabendo o motivo da separação, e percebemos que, por maios carinho que eles ainda sentem um pelo outro, é muito improvável que eles voltem a co-habitar o mesmo espaço. A mesma coisa se pode dizer em relação ao motorista e ao assistente de Mike. Tenho certeza que ambos os personagens devem ser ricamente descrito no livro de Connelly. Se o roteiro fosse pelo mesmo caminho, o filme teria saído do prumo.

Se o roteiro acerta nessas escolhas, erra em outras: a primeira delas é a revelação  muito precoce da identidade do assassino. Essa opção faz com que O Poder e a Lei mude bruscamente de tom, deixando de ser um thriller de suspense, um whodunit, para virar um filme sobre redenção. A parte final também não é das melhores. As inúmeras reviravoltas na trama provocam involuntários finais em sequências (uns quatro, no mínimo).

A direção é do jovem Brad Furman. O Poder e a Lei é seu segundo longa-metragem. Furman vai na linha atual de filmar quase tudo com a câmera na mão, conferindo aquele já meio batido tom documental tão em moda atualmente. Em alguns momentos, ele exagera na dose e inventa uns zoons repentinos, no meio do plano. Vi o uso desse artifício na comédia Cyrus (idem, 2010), e lá o recurso só servia para distrair a atenção do público para aquilo que realmente importava na cena. A sensação aqui é a mesma. Por outro lado, Furman saca do bolso do colete dois planos-sequências bem interessantes, o primeiro logo no início, quando McConaughey anda pelos corredores do Tribunal, e o segundo, um complicado movimento de câmera que parte da rua, entra pelo sobrado de uma casa, e filma, no interior de um quarto, um homem assassinado.

O elenco, no geral, dá conta do recado. Matthew McConaughey defende um personagem muito parecido com o de Tempo de Matar (A Time to Kill, 1996). De lá para cá, aquele ator talentoso e bonito, que tinha despontado como uma maiores promessas do cinema americano, se perdeu em comédias tolas como O Casamento dos Meu Sonhos (The Wedding Planner, 2001), Sahara (idem, 2005), Um Amor de Tesouro (Fool´s Gold, 2008) Armações de Amor (Failure to Launch, 2006), e Minhas Adoráveis Ex-Namoradas (Ghosts of Girlfriends Past, 2009). Em todas elas, o ator foi chamado mais por seus dotes físicos do que artísticos. Em O Poder e a Lei, ele volta ao gênero mais dramático e se sai bem. Ryan Phillippe continua fazendo suas caras e boca de sempre e não convence na pele de um possível assassino, ainda mais com sua cara de menino imberbe. Marisa Tomei, William H. Macy, John Lenguizamo e Josh Lucas são os coadjuvantes de confiança, aqueles que sempre emprestam veracidade a seus papéis e raramente erram. Ainda deu tempo de ver um envelhecido Michael Paré, o ex-galã de Ruas de Fogo (Streets of Fire, 1984), interpretando um detetive de polícia.

O Poder e a Lei não pretende gerar grandes debates. Antes disso, seu objetivo é claro: contar uma história razoavelmente interessante e entreter. É filme para consumo rápido e fácil. Dentro dessa proposta, não deixa de ser uma obra eficiente. No entanto, esse seu lado descartável é também seu principal defeito.

Comentários (1)

Osnir Sotério de Lima | sexta-feira, 20 de Janeiro de 2012 - 07:41

Excelente filme, superou minhas espectativas. Uma mistura muito bem elaborada de filme policial e suspence que prende a atenção do espectador.
É difícil não simpatizar com o personagem de Matthew McConaughey ,uma vez que ele tem exatamente o perfil cultural do homem brasileiro:trabalhador, pai de família, apaixonado pelos filhos, com um quê de sem vergonha e, infelizmente, com pequenos desvios de caráter tendenciais à picaretagem.
O personagem de Ryan Phillippe é perfeito pois consegue tirar o advogado egocêntrico de sua zona de conforto colocando sua inteligencia e perspicácia em cheque.
A trama se desenrola perfeitamente, sem grandes furos que mereçam ser relatados e com reviravoltas muito interessantes.
Os juristas que assistirem vão amar ou odiar pois esse, como todo filme americano que fala de direito, foge um pouco dos padrões do direito brasileiro, mas nada absurdo que comprometa a diversão. Ao final a sensação que se tem é a de não ter sentido o tempo passar.
Um filme de qualidade que a algum tempo não se vê nesse gênero, indico sem medo de errar.

Faça login para comentar.