Tocar num clássico é sempre uma proposta de risco que tende a arruinar algo devidamente construído. Planeta dos Macacos (Planet of the Apes, 1968) é histórico pela sua representação de mundo em virtude do papel humano na sociedade com sua civilidade questionada. Refazer essa obra é uma ousadia já tentada e frustrada – vide a de Tim Burton. Uma nova tentativa seria um disparate banal. Mas, se buscar acrescentar algo na série iniciada por Franklin J. Schaffner em 1968, a inconveniência poderia dar certo – e se não desse, seria descartado sem ofensas. Registrar a origem do domínio símio tem sua ousadia, mas também tem sensatez, o que torna a investida duvidosa do cineasta Rupert Wyatt, a partir do roteiro de Rick Jaffa e Amanda Silver, num projeto certeiro a pretensão projetada. Planeta dos Macacos: A Origem (Rise of the Planet of the Apes, 2011) deslumbra a mitologia criada e utiliza da tecnologia atual para criar um início digno e certeiro a dimensão da importância da história desta saga no cinema.
Will Rodman (James Franco) é um cientista a ponto de descobrir uma cura para o Alzheimer através da fórmula ALZ112. Os testes são feitos em chimpanzés e os resultados estão cada vez mais promissores. Não somente apresentam melhorias nas células comprometidas do cérebro demenciado, mas potencializam funções cognitivas. A representação disso nos é mostrada em um filhote o qual acompanharemos por alguns anos, percebendo sua inteligência superior comparada a de crianças da mesma idade. A troco de quê essa fórmula está sendo estudada? Não desejando apenas arrecadar milhões com a provável cura, Will tem o motivador em casa, seu pai, o pianista Charles Rodman (John Lithgow) caminhando para um estado vegetativo. O filme, nesse ato, nos revela a impossibilidade de mudança e o que os humanos são capazes de fazer para buscar contornos. Nos mostra, também, a relação com o outro, o apego, a necessidade de acolhimento e o cuidado. Afinal, a incansável pesquisa de Will tem a mesma lógica de um dos macacos agredindo os cientistas num laboratório numa cena inicial. Proteger.
O diretor Rupert Wyatt de A Escapada (The Escapist, 2008) explicita relações em seu filme, colocando frente a frente o homem e o animal. Will, após receber negativas na empresa sobre sua descoberta, se vê obrigado a cuidar de um filhote de chimpanzé temporariamente. Logo, anos se passam e mais do que um animal de estimação, o macaco nomeado César torna-se parte da família e entra em conflito sobre seu papel, não compreendendo exatamente o que é, uma vez ter de ficar todo o tempo preso em casa. O vínculo formado na família Rodman é intenso, mesmo que César ainda seja um objeto de estudo. De inteligência impressionante, mas detendo força e violência explosiva, César, embora dócil, representa um perigo na sociedade, e não é a toa que supra a imagem de um líder quando ao lado de semelhantes. Seu nome, aliás, foi atribuído por Charles graças a Júlio César, o ditador do romance de Shakespeare visto sobre uma penteadeira.
Os efeitos distribuídos no filme são perfeitos. César, criado pela tecnologia em CGI, impressiona pela autenticidade de formas próximas a dos humanos. Andy Serkis, famoso principalmente por viver Gollum em O Senhor dos Anéis, vive o símio com autoridade, emprestando seus movimentos e expressões faciais, colidindo real e imaginário. Ele rouba completamente a cena, ficando ainda melhor quando interage com outros macacos, entre eles um Gorila e um Orangotango, este último conhecedor de libras. Essa ligação disposta entre os macacos só acontece quando César é capturado e, em cativeiro, preso em jaulas, inicia uma espécie de doutrina sobre os outros símios, demonstrando sua potencial liderança e talento, o que antecipa cenas enérgicas, espantosas e de faculdade tática capaz de fazer o público amante de artes de guerra suspirar com o que acontecerá a São Francisco. O homem enquanto vilão tem a imagem de Tom Felton (Harry Potter) como ostentação.
O ideal de liberdade proposto é brilhante. A fotografia de Andrew Lesnie enaltece os animais no meio da cidade. A trilha de Patrick Doyle reforça cenas de combate e ameniza nos momentos mais ternos. A vista que César tinha do sótão era um símbolo de sua condição enquanto um animal que, embora tivesse limitações espaciais, gozava de liberdade. Seu desenho na parede após enjaulado e a marca deixada em placas representando a janela a qual passava horas observando virou estigma de sua gana e de todos os outros animais que almejavam libertação, o que reside numa crítica direta ao uso de animais como cobaias em experimentos, levando-os a morte ou rendendo-lhes severas cicatrizes. Nessa origem, tem início uma guerra cujo resultado é conhecido por quem assistiu aos outros filmes da série. O homem coadjuva os protagonistas símios, são eles as vítimas de nossa ordem moral. A natureza se confronta com o interesse e não é ela quem perde.
O vigor narrativo do trabalho de Wyatt entusiasma. A essência humana é contidamente exibida em breves momentos em que o homem tem seu espaço na tela. É com certo desprezo e falta de crença na humanidade que se constituiu essa saga. Nós somos as vítimas do que nós fazemos. A história de colher os frutos cabe aqui. Mas, Planeta dos Macacos: A Origem, traz um pouco mais: além de deixar claro que a história está acontecendo no futuro através da notícia sobre o homem em Marte, traz também a individualidade como cerne, o distanciamento entre as pessoas. Sozinhos, fracos; juntos, fortes. A lição propagada por César corrobora o preço da desunião. E que momento sensível foi aquele em que o chimpanzé procurou unir Will Rodman com a veterinária Caroline (Freida Pinto), num dos atos mais compassivos da trama? Este é um filme que comprova que é possível conceber uma super produção utilizando de aparatos inteligíveis, com uma boa história para se contar. "A Origem" somou um prelúdio digno ao que é a história de O Planeta dos Macacos. Sua metáfora humana é condizente a nossa arbitrária realidade.
Há uma cena durante os créditos que fecha o longa ilustremente.
Não me lembro de quase nada do planeta dos macacos antigo, mas este não me deixou sentir falta de nada, daqueles que tu quer mesmo que tenha uma sequência por saber que ainda existe muita história pra contar.
Filme emocionante e com uma mensagem poderosa. Para quem não gostou ficam as palavras do orangotango "Homem não gosta de macaco inteligente", nem de ser o vilão em trama cinematográfica.
Pobres coitados que não entenderam a essência desta ótima película.
Deu um sentido novo ao que vimos no clássico. Os símios estão perfeitos, apesar de César soar artificial, às vezes