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Críticas

Cineplayers

A obra-prima máxima de Roman Polanski, um filme humano em sua tragédia.

10,0

Roman Polanski é dono de várias obras consideradas primas. Entre elas, estão trabalhos bastante diversificados, como O Bebê de Rosemary, Chinatown e Repulsa ao Sexo. Ainda assim, o diretor, nascido na França em 1933, ainda não tinha lançado um filme que definisse a sua carreira, um filme que o faria ser lembrado e colocado no corredor dos gênios do cinema. Mesmo seus dois maiores clássicos mais conhecidos, O Bebê de Rosemary e Chinatown, são filmes para gostos específicos que, entre suas inúmeras qualidades apresentam também várias deficiências, fazendo com que o diretor ainda ficasse devendo, pra muitos fãs seus e críticos, a sua obra máxima. Depois do lançamento de seu último filme, o fraco O Último Portal, Polanski ficou meio esquecido. Mas ele não esqueceu o cinema, e aquela obra tão requerida por todos pode finalmente ter sido lançada, e chama-se O Pianista.

O Pianista é o melhor filme de Roman Polanski, não tenho dúvida nenhuma disso. Dizem que é o seu trabalho mais pessoal também, o trabalho com que o diretor mais pode se identificar. Isso porque O Pianista é sobre o Holocausto, e o diretor, embora tenha nascido na França, retornou com seus pais para a Polônia, onde o conflito inicial da Segunda Guerra Mundial estourou, apenas dois anos antes de seu início. Portanto, ninguém mais cotado para falar do tema do que o diretor.

Mesmo tendo vivido parte de sua infância na guerra e enfrentado os temores do Holocausto, O Pianista não é um trabalho auto-biográfico. Há sim, referências de acontecimentos da vida do diretor incluídos durante o filme, mas ele é sobretudo baseado na auto-biografia de outra pessoa, o pianista Wladyslaw Szpilman. Segundo sua biografia, ele começou a aparecer como pianista em 1935, quando tocava para a Rádio Polonesa (cena registrada durante o filme). Após os acontecimentos da guerra, Szpilman viu sua carreira decolar, sempre colocando em sua música as influências que a guerra lhe provocou. Szpilman veio a morrer recentemente, em julho de 2000, na Polônia.

O personagem de Szpilman e a sua luta pela sobrevivência é do que trata O Pianista. É um filme sobre o Holocausto visto pelos olhos de uma única pessoa. Você acompanha Szpilman lado a lado durante todo o filme, desde a fase pré-guerra, onde já haviam os primeiros rumores da ocupação alemã na Polônia, até a fase pós-guerra. O filme mostra momentos específicos durante esse período de tempo, às vezes pulando até mais de um ano, quando nada de realmente novo ou interessante acontece com o personagem (mesmo que a guerra continue à toda).

Mas quem é realmente Szpilman, além de um pianista? Ele é um judeu, de boa família, de bom emprego, mas ainda assim não deixa de ser um cidadão totalmente ordinário, no sentido mais literal da palavra. Quando a guerra estoura do seu lado, ele não tenta realizar atos heróicos, pois a realidade não é assim. Ele apenas vê e acompanha, passo a passo, a degradação e humilhação (e sofre junto com elas) de seu povo, ao mesmo tempo que tenta sobreviver de acordo com as regras impostas pelos nazistas. Essas regras você já conhece das aulas de história e de outros filmes sobre o Holocausto: os judeus foram inicialmente colocados para viver em guetos, separados dos alemães, e eram tratados como gado pelos soldados nazistas, que matavam por prazer e diversão. Tudo isso você descobre à medida que Szpilman também descobre tais acontecimentos. Corpos jogados na rua, às moscas, a luta por um pedaço de pão, o medo que todos eles sentiam com a aproximação de um soldado nazista, o preconceito que as próprias pessoas de origem alemã tinham para com os judeus (afinal, a propaganda nazista de superioridade estava no auge naquela época) são situações comuns no dia-a-dia dessas pessoas.

Quando Szpilman é separado de sua família (o que para ele foi sorte, pois foi separado também da morte certa – pelo menos por mais um tempo), a sua trajetória dentro da guerra muda totalmente. Ele é ajudado por um amigo, e passa a viver escondido de todo mundo dentro de esconderijos providenciados, até o seu final derradeiro, o qual, logicamente, não pretendo contar aqui. Toda a trajetória de sobrevivência é extremamente tensa, pois o roteiro consegue eficientemente nos colocar próximos o bastante do personagem para temermos seu destino junto dele.

Além do roteiro extremamente feliz, outra chave para o sucesso do filme é o ator Adrien Brody, uma figura não muito conhecida, mas que fez alguns filmes muito importantes, como Além da Linha Vermelha e o filme que pra mim é o melhor do diretor Soderbergh (de Traffic e Onze Homens e um Segredo), que é O Inventor de Ilusões. Brody, que já é um tipo franzino naturalmente, realizou um trabalho físico de preparação para seu papel que está sendo pouco reconhecido. Conseguiu emagrecer vários quilos e passar, na real, por várias provações que seu personagem também passa durante o filme, como mergulhar a cabeça num balde de água cheia de sujeira para se alimentar. Além do esforço físico (no final do filme, ele está incrivelmente magro), toda sua interpretação artística é de tirar o chapéu. Uma pessoa simples, que é jogada num incrível acontecimento e tem de contar apenas com ele mesmo – e a sorte – para sobreviver. E imaginar que tudo isso aconteceu de fato é ainda mais impressionante. Adrien Brody é o dono da melhor interpretação de um ator em 2002.

Tecnicamente falando, O Pianista é um filme também perfeito. Com locações incrivelmente realistas, vestuário adequado, cenas de combate (que são poucas, e novamente, todas elas vistas pelos olhos de nosso protagonista) ainda mais realistas que as locações, e mesmo alguns efeitos especiais - como em uma cena com aviões – os fatores técnicos do filme tornam ele ainda mais sublime de ser assistido. É um trabalho com cenas incrivelmente fortes, mostradas sem censura, sem véu, o que faz tudo se tornar ainda mais assustador.

A comparação de O Pianista com outra obra-prima sobre o assunto, A Lista de Schindler (um dos melhores filmes de Steven Spielberg) é inevitável. E sadia também, em minha opinião. Muitos elementos encontrados em um filme estão presentes em outro, mas o foco do filme é bastante diferenciado. Na obra de Polanski, o espectador acompanha todos os acontecimentos através dos olhos de uma única vítima do Holocausto, Szpilman. Você não fica sabendo além do que ele sabe, acompanhando a sua difícil trajetória pela sobrevivência todo o tempo. Em A Lista de Schindler, há uma abrangência de informações e situações muito maior, pelo fato de a história não estar focada em apenas um personagem.

Mas Polanski não se deixa levar por sentimentalismos que poderiam pôr seu filme a perder o foco. Todas as imagens são cruas, sem manipulação de emoções para o espectador. A Lista de Schindler, por outro lado, tenta provocar forçadamente emoções em quem assiste. A garotinha de vermelho é um exemplo disso. Embora belíssima, é uma cena extremamente manipuladora, que nos é exibida para termos ainda mais ódio do exército nazista (como se fosse necessário). Mesmo assim, há várias diferenças entre os dois filmes, além do foco dos personagens, mas basicamente pode-se dizer que O Pianista é superior ao filme de Spielberg por nos trazer uma visão de dentro dos acontecimentos, sem maniqueísmos. A Lista de Schindler ainda é, sim, uma obra-prima, mas acredito que, para muita gente, a partir de agora, O Pianista é que será o ponto de referência dentro do assunto Holocausto.

O Pianista, de Roman Polanski é, desde já, ao lado da trilogia de Peter Jackson O Senhor dos Anéis, o trabalho cinematográfico mais importante e espetacular deste novo milênio. É um daqueles poucos filmes que com certeza serão relembrados, décadas à frente, pela sua perfeição. O Pianista já ganhou inúmeros prêmios pelo mundo (entre eles o BAFTA e a Palma de Ouro em Cannes, duas das mais importantes premiações ao redor do globo), e só não vai ganhar o Oscar (acredite – e me cobre depois) por causa que não é um filme convencional de Hollywood. No fundo, muitas das pessoas que ignorarão o filme sabem que ele merecia estar no topo. Felizmente, O Pianista já está no topo, e lá vai ficar por muito tempo.

Comentários (6)

Luiz F. Vila Nova | quarta-feira, 16 de Março de 2016 - 14:46

Ótima crítica Koball. Concordo quando diz tratar-se do melhor trabalho de Polanski, o melhor filme do ano e o exemplar mais realista e historicamente relevante sobre o holocausto judeu. Direção irretocável, técnica primorosa e uma fantástica atuação de Adrien Brody. Obra-prima.

Alexandre Koball | quarta-feira, 16 de Março de 2016 - 19:00

Valeu Luiz, puxa, a crítica fez aniversário de 13 anos hoje 😎

Ewerton | sábado, 21 de Julho de 2018 - 02:58

O filme é muito bom, mas não acho melhor que o Bebê de Rosemary. E não, O pianista não é mais lembrado que o Bebê de Rosemary, que é um dos clássicos do terror. O pianista é bem conceituado, mas não chega a ser um clássico.

Walter Prado | sábado, 21 de Julho de 2018 - 11:47

"mas não chega a ser um clássico"

Até porque nem tem idade pra isto ainda.

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