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Críticas

Cineplayers

Novelão bem feito de Stephen Frears é alternativa para quem está cansado de ver a nova esquerda esbravejar clichês nas mídias sociais.

8,0

Não espere do diretor Stephen Frears uma estética inovadora ou filmes visualmente impactantes: sua passagem por superproduções Hollywood produziu catástrofes como O Segredo de Mary Reilly (Mary Reilly, 1996), Herói por Acidente (Hero, 1992), ou o fraco, bobo Alta Fidelidade (High Fidelity, 2000). Com a carreira a perigo, voltou para sua Inglaterra natal e vem fazendo filmes menores, escancaradamente televisivos, com resultados variados, mas com um acerto: A Rainha (The Queen, 2006). A fórmula é clara: foco na direção de atores, quase nenhuma firula de câmera, diálogos escritos por excelentes roteiristas (quando não dramaturgos conceituados) e tramas que poderiam estar em qualquer novela brasileira.

Philomena (Idem, 2013), seu mais recente filme - e entre os melhores de sua carreira -, conta a história de uma mulher que teve de dar o filho em adoção na década de 60, quando a Irlanda ainda sofria com o obscurantismo da Igreja Católica. Adolescente grávida, enviada pelos pais a uma instituição religiosa que mais parecia uma masmorra da Idade Média, com freiras que deixavam as meninas sofrerem de propósito durante o parto, algumas delas até a morte, Philomena teve de trabalhar 4 anos na lavanderia do lugar para pagar os custos do nascimento do filho – tudo isso para no final vê-lo sendo levado por um casal de americanos. Apelativo? Sentimental? Popularesco?

O filme tem sim algumas derrapadas populistas, com cenas tolas e gratuitas, implausíveis e mesmo estereotipadas – as freiras do convento, por exemplo, beiram a caricatura. Frears quis fazer um filme anti-clerical e exagerou, forçando o filme a um sem número de concessões populistas que enfraquecem sua estrutura. Mas há vantagens: inteligência e o bom gosto estão presentes, como o caráter humano. Frears não larga sua personagem e quando a ambivalência entra em cena, quando os maniqueísmos ficam de lado, o filme voa, sim, alto.

O filme foi escrito, interpretado e produzido pelo comediante Steve Coogan (prêmio de melhor roteiro no Festival de Cannes), que faz um jornalista ressentido por ter perdido o emprego. Cínico, por vezes grosseiro com subalternos, só aceita escrever essa história de “interesse humano” por estava desempregado e deprimido. Com seu vocabulário “Oxbridge” (mistura de Oxford e Cambridge, as duas universidades da elite britânica), pronuncia o nome da personagem de maneira clássica, “Failomina”, em vez do mais comum “Filomina”. Quando recebe a proposta, dispara: para ele, essas "experiências de vida" nada mais eram que uma “mistureba sentimental destinada a pessoas ignorantes” (ou, no seu rebuscado inglês, “mawkish concoction aimed to ignorant people”). Vai levar uma admirável lição de vida da personagem, que serve também para a turma indignada das mídias sociais: “Não comecei tudo isso para odiar ninguém”, diz a enfermeira de classe média baixa, sem cultura e religiosa. “É muito cansativo isso.”

Para preservar os leitores de spoilers, não vamos revelar a trama (uma pena, tantas discussões interessantes), mas saibam que o filme é muito mais as intervenções do jornalista cínico e desiludido com a enfermeira piedosa e sofrida do que a tal busca pelo filho perdido da trama. Dame Judi Dench, em seu segundo filme com Frears, está inesquecível. A horas tantas, vai se confessar e, de frente a um padre, não consegue dizer uma só palavra. O jornalista, ateu, diz q a Igreja é que devia pedir perdão, não ela. “Que pecados você teria para confessar?”, indaga. Estóica, a personagem não perde a fé; quando balança, Judi Dench está lá, firme, para defender sua personagem. Realmente tocante. O interessante é que jornalista (no caso, o ator, roteirista, produtor) e o diretor parecem andar juntos em contraponto à velha senhora católica. Vão descobrir que a senhora também tinha outros interesses. Surpresa? Nenhuma.

No fim, a impressão que fica: um filme sentimental para pessoas não-sentimentais. Philomena é sofisticado e inteligente o suficiente para se deixar levar pelo mau gosto. É o mais próximo que podemos chegar de um folhetim televisivo sem chafurdar na grosseria e apelação. É Stephen Frears no seu melhor, ou seja, Ligações Perigosas (Dangerous Liaisons, 1998), clássico literário que ele dirigiu como um folhetim. Ao iluminar sua personagem principal, abrindo mão da narrativa digamos policial da trama (Hitchcock fazia o mesmo) para deixar mais espaço a Judi Dench brilhar da metade em diante do filme, some a discurseira contra a religião, homofobia, cultura pop, e entra silêncios, dúvidas e reflexões.

Philomena indaga às pessoas que conheceram seu o filho se um dia ele falou da sua pátria de origem, a Irlanda, e de sua família. Envergonhada e insegura, tinha medo da resposta, tipo acusações de que ela teria “abandonado” o filho, o que não era verdade. No fundo, ela queria era dizer a todos que ele lhe foi tirado dela à força. Pode parecer cafona, brega e gratuito, mas esse cinema simples, de qualidade, feito de inteligência e bons atores, diretor sensível e acessível, sumiu do mapa e está cada vez mais difícil de se encontrar. A fórmula migrou definitivamente para a TV. É um caso raro, portanto. Mas na TV, o impacto talvez seria menor, perdido nas intermináveis durações das séries, nem suas firmes convicções humanistas se adaptariam ao imediatismo das mídias sociais e sua perpétua indignação vociferante.  Personagens como Phimonena precisam de seu próprio tempo, porque suas inflexões são muito sutis; por isso, são ainda melhores de se ver na velha sala escura de um cinema.

Comentários (2)

Lucas Castro | domingo, 01 de Dezembro de 2013 - 23:47

Genial o titulo. bom ver que o frears ainda anima

Gian Luca | quarta-feira, 23 de Dezembro de 2015 - 20:01

Uma boa surpresa.

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