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Críticas

Cineplayers

Perfume por sua essência.

8,0

Não é de hoje que um ator já consolidado, quando carrega um filme nas costas, consegue reconhecimento tardio com a tão cobiçada estatueta do Oscar. Al Pacino já tinha feito filmes muito melhores do que este Perfume de Mulher (Scent of a Woman, 1992) quando foi premiado merecidamente por seu papel do ex-militar que ficou cego depois de um acidente, acabou aposentado precocemente e vive numa casa agregada de um familiar, deprimido. Em um certo final de semana, Frank (Pacino) resolve fazer uma viagem dos sonhos de revival com o jovem auxiliar Charlie Simms (O'Donnell, jovem estrela na época) para resgatar os prazeres perdidos, refletindo não apenas sobre seu estado atual como também sobre as idas e vindas da vida.

Mas isso é o que 99% das análises de Perfume de Mulher tratam. É impressionante como quando uma atuação salta aos olhos acaba sobrepondo a obra, esquecendo que, por trás daquela composição, há todo um filme a ser analisado que acaba acanhado. Há algo a mais. Neste caso, PdM tem mesmo uma série de passagens memoráveis, desde a cena do tango, exaustivamente ensaiada e de beleza ímpar, até a cena da Ferrari, a liberdade que muitos perderam, cegos perante a uma vida de rotinas e falta de espontaneidade. Quantas curvas às cegas já fizemos? Quantos passos imprevisíveis ensaiamos na dança da vida?

A beleza de PdM está nesses pequenos detalhes, como quando o Tenente-Coronel sente o cheiro de uma mulher e a identifica pelo que ela usa. É o que sobra a ele, amante insaciável, sem a possibilidade de olhar para as belezas que tanto guarda na memória. Sentir. A cena do tango ganha força se vista por esse lado, pois independe de beleza, ao mesmo tempo a extrapola. A dança é movimento, sentimento. Cheiro e atitude. É um dos grandes momentos para Frank, que eleva o título do filme, Scent of a Woman, a um patamar muito maior do que o perfume literalmente falado. Esse perfume é a essência de uma mulher, algo muito mais amplo, aquilo que poucos conhecem e reconhecem, e Frank certamente é um especialista, que sabe glorifica-las, cada uma com sua essência particular.

Daí dá para entender seu péssimo humor: pelo jeito que ele fala da vida, é claro que sabe como aproveitá-la; ele amava viver, mas condenado ao escuro de sua cegueira, só sente saudade daquilo que ele sabe que é bom e jamais poderá ver novamente, então o jeito é buscar as mesmas sensações, deixar de se condenar, e seguir em frente da maneira como pode, evitando ao máximo ser um encosto – “eu pego o seu braço, você nunca pega o meu”. Isso é bonito pra caramba.

E no meio desse turbilhão da vida de Frank cai de para-quedas Charlie, um jovem que estuda em uma escola cara, de pais humildes e que vê no estudo a chance de chegar mais longe na vida. Antes de viajar com Frank pelo dinheiro do serviço (cuidar do homem cego enquanto sua família viaja no feriado), é testemunha de uma travessura no colégio e é intimado pelo diretor a delatar os amigos, o que cria um conflito moral no garoto.

É claro que os amigos, mais ricos (Philip Seymour Hoffman novinho, em início de carreira, é um deles), pressionarão para que ele não fale nada, o que desencadeará o terceiro ato do filme, uma audiência pública que os coloca contra a parede e testa seus valores - algo que serve como conflito direto de moral entre gerações e condutas e como emparelhamento do que são os dois personagens: Frank, um homem de passado e que redescobre um futuro, e Charlie, um jovem sem passado e que corre sério risco de perder seu futuro também. Chris O'Donnell, que praticamente afundou sua promissora carreira alguns anos depois com os dois Batmans de Schumacher, fez um ótimo trabalho e não deixou ser ofuscado pela interpretação brutal de Pacino, conseguindo a proeza de complementá-la. Isso é algo raro nesses filmes de "um ator só".

O roteiro, baseado totalmente na versão italiana da comédia homônima (Profumo di Donna, 1974), segue um caminho óbvio até o final, mas focado na sua mensagem sobre a vida e a ética, algo que piorou ainda mais com o tempo, deixando o filme ainda atual. Faltou coragem para o encerramento, é verdade, mas os inúmeros diálogos marcantes e cenas já clássicas provam que Perfume de Mulher é, muito possivelmente, o melhor filme do regular cineasta Martin Brest, que sempre fez bons trabalhos, mas nunca acima e nem abaixo disso. Um Tira da Pesada (Beverly Hills Cop, 1984) e Encontro Marcado (Meet Joe Black, 1998) são símbolos de suas gerações, assim como este seu Perfume de Mulher e a atuação sobrenatural de Pacino.

Comentários (11)

Rodrigo Cunha | sábado, 04 de Abril de 2015 - 17:46

Muito obrigado, Cristian. Há vários outros textos meus vindo por aí, como fazia antigamente. :)

Cristian Oliveira Bruno | sábado, 04 de Abril de 2015 - 19:07

Que bacana. :D] Cunha escrevendo sobre filmes dos anos 80 e 90 e o Koball sobre filmes ruin, com toda aquela ironia dele, são impagáveis.

Yuri Mariano | sábado, 25 de Abril de 2015 - 03:55

Parabens pela crtica Sr. Cunha UHH AHH😏, Al Pacino tem atuações tão boas ou melhores do que esta, mais a Academia sempre comete as suas injustiças.

Reginaldo Almeida | domingo, 08 de Dezembro de 2019 - 12:34

Valeu Cunha. Também acho brutal a interpretação de Pacino.

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