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Críticas

Cineplayers

Preminger se perde nas diversas tramas que tenta narrar, mas já demonstra olhar diferenciado para a composição de cenas.

5,5

Durante mais de vinte anos, Otto Preminger construiu sua reputação como um dos maiores diretores do cinema norte-americano. Seu primeiro grande filme, de maneira praticamente indiscutível, é o noir Laura (idem, 1944), lembrado ainda hoje como um dos principais representantes do gênero. Mesmo que Laura tenha sido o divisor de águas na carreira de Preminger, colocando-o de vez no time principal dos diretores da indústria hollywoodiana, o cineasta já havia realizado alguns trabalhos de menor porte. Um Pequeno Erro é um deles e, mesmo longe de ser um grande filme, já trazia sinais de sua capacidade para a composição de quadros e versatilidade na condução de histórias.

Baseado em uma peça de teatro de Clare Boothe, Um Pequeno Erro (Margin For Error, 1943) é, descaradamente e sem qualquer timidez, uma história com o objetivo de promover o espírito da democracia e da liberdade no tempo de guerra. O filme começou a ser produzido em 1942, pouco após a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, e traz o policial interpretado por Milton Berle sendo transferido para o consulado alemão, com a tarefa de proteger o cônsul e sua esposa contra possíveis revoltas da população. Aos poucos, porém, ele começa a se relacionar com as pessoas do consulado, interessando-se pela empregada e criando uma certa rivalidade com o próprio cônsul. O temperamento difícil do cônsul acaba elevando a tensão até um acontecimento que caberá ao policial resolver.

De certa forma, era natural que Preminger, em um de seus primeiros filmes, acabasse adaptando uma peça de teatro. Formado nos palcos, o diretor inclusive chegou a trabalhar na própria versão teatral de Um Pequeno Erro, no papel do cônsul Karl Baumer – personagem que também interpretou neste filme. Mesmo familiarizado com o texto, Preminger não ficou satisfeito com a primeira versão do roteiro de Lillian Hayward e contratou o até então desconhecido Samuel Fuller para trabalhar o texto. Infelizmente, a versão retrabalhada ainda permaneceu repleta de problemas e é o roteiro sem foco a principal falha da produção, por condensar uma série de tramas em menos de uma hora e meia, não conseguindo desenvolvê-las de maneira satisfatória.


Este ponto, aliás, é uma demonstração da falta de intimidade de Preminger com o cinema neste início de carreira. Um Pequeno Erro parece sofrer de uma série crise de identidade, uma vez que tenta abocanhar um pouco de diversos gêneros: há espaço para o romance, para a comédia, para um drama político e para um suspense a la Agatha Christie. O roteiro jamais consegue amarrar todas estas narrativas de maneira orgânica e o filme acaba assumindo múltiplas personalidades, sem jamais se fixar em alguma. Em certo momento, temos o policial de Milton Berle saindo com a empregada; logo depois, o foco da trama é uma tentativa de sabotagem dos nazistas no porto; em seguida, policial faz piadas sobre os nazistas; e os dez ou quinze minutos finais são de caça a um assassino.

O que se percebe em Um Pequeno Erro é a típica síndrome de um cineasta estreante: querer colocar diversas ideias dentro de um mesmo trabalho. O roteiro tenta de tudo, talvez na esperança de que algo dê certo; o problema é que o resultado fica apenas uma verdadeira bagunça. Apesar disso, o texto ainda tem diversos méritos, como os diálogos, sempre espirituosos, com ótimas tiradas em relação à guerra e o nazismo, além de levantar uma importante reflexão acerca do preconceito: ao generalizarmos uma percepção sobre um grupo de pessoas (no caso, a ideia de que todos os alemães são nazistas), não estaríamos cometendo também uma barbárie?

No entanto, ainda que tenha seus pecados no enredo, Um Pequeno Erro é, definitivamente, o trabalho de um diretor com bom gosto e visão artística. Os quadros de Preminger neste filme são sempre elegantes e bem compostos, com a capacidade de explorar ao máximo tudo o que faz parte da cena – há momentos, por exemplo, no qual o cineasta enquadra seus atores em um canto do plano, preenchendo o restante com os objetos do cenário. Dessa forma, Preminger aproveita de forma exemplar o espaço reduzido que possui, uma vez que Um Pequeno Erro se passa quase em totalidade dentro do consulado alemão.

Aliás, Preminger não se destaca unicamente no trabalho de direção. Como já comentado, ele também assume o papel do cônsul alemão e é, sem dúvida, um dos melhores aspectos do filme. Preminger consegue encontrar um tom perfeito entre o lado cômico e o vilanesco do personagem e acaba roubando praticamente todas as cenas em que aparece. Milton Berle, que viria a se tornar um dos grandes comediantes norte-americanos nas décadas seguintes, já demonstrava aqui possuir talento para o gênero, entregando todas as suas falas com um preciso timing cômico. O restante do elenco pouco tem a fazer – nem mesmo Joan Bennett consegue algum destaque, graças à sua personagem pouco desenvolvida pelo roteiro.

Mesmo com diversos problemas de roteiro e a nada sutil mensagem patriótica (que não deixa de ser irônica, considerando o fato de o diretor ser austríaco), é interessante acompanhar estes primeiros passos da carreira de Otto Preminger. Talvez por se tratar de uma comédia, gênero pelo qual ele não mais seguiu, ou simplesmente pela falta de experiência, Um Pequeno Erro é um filme irregular, que jamais atinge suas propostas. Tem seus méritos e, desde já, deixa claro o talento do diretor para a construção da mise en scéne. Mas é pouco perto de tudo o que Preminger ainda tinha a oferecer.

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