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Críticas

Cineplayers

Mais uma obra-prima de Hitchcock, dessa vez explorando o lado sobrenatural da situação.

8,0

Quando Hitchcock lançou Psicose, em 1960, estava arrumando também uma tremenda encrenca. O filme que seguiria seu grande clássico teria de ser bom o bastante para agradar aos fãs, sedentos por uma nova história de horror que fosse tão boa quanto a anterior. Infelizmente isso nunca aconteceu - Psicose é meu Hitchcock preferido -, porém ele nos presenteou, em seu qüinquagésimo filme, com uma obra totalmente diferente de tudo o que ele já havia feito antes: Os Pássaros, de 1963.

E ele conseguiu novamente, só que traçou um caminho bem diferente do que costuma tematizar seus filmes. Assim como em alguns outros trabalhos, deixou o crime como pano de fundo em sua história, concentrando-se em um maior desenvolvimento psicológico dos personagens. Faria isso em Cortina Rasgada, onde era bem mais perseguição, fez em Ladrão de Casaca, que é muito mais romance, e, principalmente, no maravilhoso Um Corpo que Cai, que é muito mais mistério e clima do que crime em si. Em Os Pássaros não temos um assassino. Mas continuamos tendo o suspense, o mistério, o medo, só que dessa vez com um certo tom sobrenatural. Uma rota extremamente diferente do que ele está acostumado a produzir. Não há um assassino, e sim um grupo de pássaros aparentemente loucos que estão atacando a todos da cidade. E, logo de cara, aviso que é um filme tecnicamente perfeito.

A história aqui é a seguinte: quando a loiraça Melaine Daniels (interpretada por Tippi Hendren) entra em uma loja de animais, conhece o belo e solteiro Mitch Brenner (interpretado por Rod Taylor) de uma forma um pouco inusitada. Ela decide então persegui-lo até Bodega Bay seguida por seu instinto. Só que, ao invés de simplesmente conhecer o rapaz e ter uma bela história de amor, a loira se depara com uma incrível anomalia na cidade; parece que todos os pássaros do local decidiram se revoltar e atacar os humanos quando bem entendem. Na história ainda existem diversos outros personagens, como a irmã mais nova de Mitch, chamada Cathy Brenner (interpretada por Verônica Cartwright, de apenas 13 anos), e a misteriosa Annie Hayworth (interpretada por Suzanne Pleshette), que sofrem todos os medos psicológicos e as dores físicas com os ataques dos pássaros.

Parece superficial? Sim, claro! Inverossímil até, ver um monte de pássaros atacando pessoas, aparentemente sem mais nem menos. E chego a um ponto extremamente importante ao redigir esta análise: a diferença entre esse filme e os demais do Hitchcock. Aqui não há um assassino, e sim uma série de acontecimentos que, ao final, não serão resolvidos! Isso mesmo, não espere que Hitchcock mastigue para você toda a filosofia existente dentro de Os Pássaros. Há um constante tom sobrenatural, e isso ajudou bastante a não haver essa necessidade para o filme. Ele também não tem o famoso ‘The End’, justamente para as pessoas pensarem em tudo o que haviam acabado de assistir. Depois de tudo o que acontece no filme, ele simplesmente acaba. O foco principal, na verdade, não são os ataques, e sim o medo psicológico das pessoas sobre algo que elas nunca imaginaram que pudesse oferecer perigo. O foco é trabalhar no subconsciente das pessoas, fazer com que elas temessem as coisas menos temíveis possíveis. E deu certo, pelo menos na época, já que hoje o filme não assusta tanto.

Talvez isso seja pelo fato dos efeitos especiais que existem hoje em dia serem infinitamente superiores aos da década de 60, mas justiça seja feita: Os Pássaros é, atrás de 2001: Uma Odisséia no Espaço, um dos filmes mais bem feitos que já vi em toda a minha vida. É uma perfeição, um nível de detalhes, fora o modo como os efeitos foram feitos, impressionantes. Se você assistir aos extras do DVD saberá o que estou falando. Por exemplo, Hitchcock sempre odiou filmar em locações, sempre preferiu o estúdio (aqui nós temos bastantes externas!), só que há passagens de ‘locações-estúdio’ impressionantes, inclusive aparentemente sem cortes!

Nas cenas de ataques dos pássaros, sempre havia um ou outro colado nas pessoas, para que ele não voasse e parecesse que ele estava realmente as devorando. Nas cena onde Melanie está presa dentro de uma cabine telefônica, por exemplo, mostra outro aspecto técnico bastante apurado do filme: o fato da diversa sobreposição de películas para criar três camadas na tela. Como assim? Simples: a primeira película tinha Melanie dentro da cabine telefônica, com alguns pássaros atingindo o vidro para ficar real; a segunda camada era alguns pássaros animados que ficavam passando de um lado para o outro em tom ofensivo; e a terceira camada era simplesmente uma pintura! Isso mesmo, usaram uma pintura de fundo e ela ficou simplesmente PERFEITA, irreconhecível, parece até cenário de verdade. Filmado uma película de cada vez, juntaram as três na edição e montaram a aterrorizante cena. Foi um trabalho extremamente pensado e bem feito, não?

Aliás, Tippi sofreu, dentro e fora das telas. A atriz estava em decadência no ramo da moda quando recebeu uma proposta para atuar no filme. Fez o teste interpretando três papéis de mulheres totalmente diferentes: recriou uma cena de Rebecca, outra de Interlúdio e outra de Ladrão de Casaca. Saiu-se bem e foi a escolhida para ser a estrela principal de Os Pássaros, ganhando até um broche como presente, no qual guarda até hoje e mostrou orgulhosa durante a entrevista do DVD. Gostei muito de sua atuação, conseguiu fazer com que a personagem me contagiasse de tal forma com que eu torci muito para que ela conseguisse resolver todos os conflitos armados no decorrer do filme.

O bonitão Rod Taylor faz o papel do bom moço na segunda parte do filme, onde os ataques acontecem. Na primeira, onde há o desenvolvimento dos personagens e toda a preparação para o ataque, ele dá uma de chato para descobrir as verdades de Malanie. Mas no aperto, mostrou-se o perfeito escolhido para o papel de galã do filme, fazendo tudo para salvar não só sua pele, como a de sua mãe, irmã e amada.

A jovem Verônica Cartwright com certeza foi a que teve a vida mais marcada durante as filmagens de Os Pássaros. Aniversariou em plena filmagem, e além de ter um parabéns cantado por toda a equipe, ganhou um presente que com certeza nunca esquecerá na vida (e que mandou emoldurar e tudo!): Alfred Hitchcock em pessoa pegou uma folha de papel, escreveu uma mensagem, desenhou uma enorme caricatura dele mesmo (essas que vem na lateral dos DVD´s da coleção) e assinou, especialmente para a menina. Com certeza, mais absoluta impossível, foi um dia inesquecível na vida da pequena Verônica.

Um outro ponto que gostaria de destacar é a maquiagem. Importantíssimo quesito, por sinal, para o sucesso do filme. Quando Tippi teve seu rosto todo maquiado (para depois do ataque dos pássaros), a atriz simplesmente passou mal e vomitou ao se olhar no espelho, tamanho o realismo. Outro personagem que também aparece morto, todo esfolado, teve um trabalho profundo de maquiagem, principalmente nos olhos (maquiagem com valor reforçado também pelo movimento da câmera, se aproximando do cadáver com cortes rápidos e precisos). Essa cena, aliás, foi uma das minhas preferidas do filme, algo realmente chocante (imagino as reações em 60 quais foram).

Outro ponto importantíssimo a ser comentado: as músicas. Aliás, que músicas? Isso mesmo, durante suas duas horas de duração, não há uma música sequer no filme! Hitchcock optou por usar somente efeitos sonoros para ambientar suas cenas, clima que as músicas não conseguiriam dar. Foram inseridos diversos ruídos durante todo o filme a partir de enormes sintetizadores, mas principalmente de pássaros, ferozes, famintos, enfim, o clima de terror tem um importante foco nesses efeitos (todos decididos de última hora por Hitch e seu consultor musical, Bernard Herrmann – aqui somente consultor, e não compositor). Nem nos créditos iniciais há música, somente ruídos de pássaros indo de lá para cá nas caixas de som da TV.

Sobre o roteiro do filme, cabe mais uma curiosidade: Joseph Stefano, quem escrevera o roteiro de Psicose, não se interessou pela história. Hitchcock então chamou Evan Hunter para escrever a obra, baseada no thriller de Dahpne du Maurier. Deveria ser chamado de “Aves Raras”, mas ainda bem que não fizeram esse sacrilégio com o filme. Acharam a história curta e a reescreveram por completo, tendo somente como origem do original a idéia. Ah, Hitchcock também faz sua aparição típica nesse filme. Logo no início, ele sai da loja de animais segurando alguns cães. É bem fácil percebê-lo. Mais uma curiosidade: membros da equipe dizem que aqueles cachorros comiam extremamente bem, inclusive melhor que muita gente dentro do set, tamanho o carinho de Hitch pelos caninos!

O fim, com tom sobrenatural, é totalmente diferente do que Hitchcock costumava fazer, tentando passar o sentimento do medo sem fim. É um filme bastante feliz, que me fez questionar se acontecesse isso um dia, um surto de pássaros pelo mundo, vejo que não seria algo tão diferente do que foi apresentado. Até mesmo ele brinca com isso, quando questiona a inteligência dos pássaros na cena do bar (onde ocorre um clássico tapa no rosto, por sinal, que foi dado de verdade, exigência da própria atriz golpeada), se eles teriam capacidade de fazer algo do tipo na verdade. Só espero que nunca haja um surto de baratas por aí...

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