Muitas personagens femininas e a história de um homem.
Saí do cinema acreditando que o maior assunto do filme O Passado fosse a transformação do amor em doença, aquele momento que sempre nos escapa, no qual, mal acaba o amor e já começa a loucura; e esse não deixa de ser um dos motes da história. Agora, se você for atento a detalhes perceberá que em meio ao tumulto o que se conta é a história de um homem, que parece querer apagar-se e ser esquecido, apenas para continuar respirando.
O filme é baseado no livro homônimo do escritor argentino Alan Pauls, e dirigido pelo meio-argentino, meio-brasileiro Hector Babenco, em cujo currículo constam os filmes Pixote: A Lei do Mais Fraco e Carandiru. O elenco é encabeçado por Gael Garcia Bernal, que parece estar em todos os lugares ao mesmo tempo: na Argentina como Rímini em O Passado; na França como o Stéphane de Sonhando Acordado; no México como o rico Cristobal de Déficit; e no Brasil como ele mesmo, apresentando todos esses trabalhos.
A história gira me torno de Rímini, um jovem tradutor, e sua ex-esposa Sofia (Analía Couceyro). O filme inicia com esse jovem casal chegando a uma festa onde a anfitriã os aguarda ansiosa. Em meio a uma reunião que parece ser de trabalho, a anfitriã abre espaço para projetar o filme do casamento de Rímini e Sofia, que naquele dia completam 12 anos de casados e parecem ser - para aquelas pessoas - o exemplo de que o amor existe. Mal sabem todos que eles já estão organizando a separação, que transcorre de maneira muito tranqüila: Sofia até ajuda Rímini a encontrar um novo apartamento, que ela mesma decreta ser o que mais vai lhe agradar.
Assim, ele vai aos poucos se desvencilhando de Sofia e começando uma nova vida. Em alguns momentos é fácil pensar que ele já nem se importa com a ex-esposa, que está sempre por perto o lembrando que ele a deixou com o fantasma de uma caixa de fotografias que eles ainda precisam separar. Inclusive, vê-lo usando um retrato de Sofia como "apoio" para o pó, parece grosseiro. Mas, assim que ele começa um romance com a insegura modelo Vera (Moro Anghileri) e esta passa a ser presença constante em sua nova casa, vemos que Rímini ainda guarda um lugar para Sofia. Mesmo que seja escondido sobre o armário da cozinha.
Agora Rímini está com Vera, que desde o primeiro encontro mostra o quão ciumenta é. E é fácil prever que ele está metido em outro problema. E em meio a essas duas mulheres, ele ainda consegue se interessar por uma terceira, sua parceira de tradução, a centrada Carmem (Ana Celentano). Com a entrada de Carmem na trama, acontece a participação de Paulo Autran, ator recentemente falecido. Rímini e Carmen encontram-se quando são contratados para fazer a tradução da palestra do excêntrico Professor Poussière (interpretado por Autran), que estranhamente sempre anda acompanhado de uma jarra com água... É esse evento que concentra um dos episódios mais tensos do filme: quase num mesmo momento, vemos Rímini iniciando seu romance com Carmem, desmaiando com a aparição de Sofia e perdendo Vera num acidente.
Aqui a trama dá uma virada e o protagonista vive uma nova vida ao lado de Carmen. Porém, perturbado com o passado, ele começa a sofrer de uma amnésia seletiva que o faz ir aos poucos esquecendo os idiomas que traduzia, fazendo com que ele perca o emprego. Ele passa a viver duas realidades: a felicidade de um relacionamento estável (que parece selada com a chegada de um filho) e a perda de sua profissão. Conflitante entre essas duas questões, Rímini nunca parece totalmente feliz.
Aqui um parêntese sobre o personagem: minha primeira impressão foi a de que Gael não estava bem no papel. Parecendo apático demais em situações que deveriam fazer o personagem explodir. Apenas na cena em que ele é comunicado de seu divórcio com Carmen é que vemos o personagem exprimir um sentimento condizente com o que se espera, depois de tudo que Sofia apronta, entre seduzi-lo para um encontro e seqüestrar seu filho. No final do filme é que entendi que aquele era Rímini, aquela era a sua personalidade. Um homem de grande sensibilidade que se mantém ensimesmado, sofrendo e tentando se reconstruir. E, ao contrário da personagem de Analía Couceyro, não faz alarde de seus sentimentos.
É assim que a história tenta nos mostrar a diferença entre um homem e uma mulher diante de um mesmo conflito, a separação. Ele a mantém a salvo em algum lugar, tentando, no entanto, caminhar numa direção diferente até que tudo se acalme. E ela não consegue se desvencilhar, encontrando Rímini até em um alemão e correndo contra tudo para trazê-lo de volta.
Segundo Babenco, o próprio Alan Pauls o chamou de louco por acreditar que o livro fosse intransponível para o cinema, por se tratar de uma história composta mais por divagações e silêncios, do que por ações. Mas não foi o que pareceu. A trama parece bem roteirizada, sem nos dar aquela impressão de que os fatos vão sendo mostrados como num videoclipe, para que um romance de 480 páginas caiba em duas horas de filme. Tudo transcorre sem nos assustar.
Boa mesmo é a Analía. Atriz argentina com 15 anos de experiência em teatro, ela está muito bem no papel da apegada Sofia, alternando suavidade, tensão e loucura de maneira competente. Legal mesmo é ver Babenco numa ponta como projetista de um cinema, pois isso deve ser uma referência à sua própria juventude onde, como ele mesmo disse, encontrava refúgio para seu deslocamento social entre os clássicos estrangeiros, aproveitando também para conhecer novas culturas de uma maneira agradabilíssima.
Ao final, meu sentimento foi o de que, apesar de competente, faltou algo para que o filme me tocasse. Talvez porque, apesar de tudo, nada seja tão excepcional (com exceção de Couceyro): fotografia regular; produção regular; um personagem apático; um bom diretor. No entanto, vale a sessão!
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