Guardadas as devidas proporções, Parque de Diversões, filme de Ricardo Alves Jr. que teve sua pré-estreia na 28ª Mostra de Cinema de Tiradentes antes de sua estreia nesta quinta nos cinemas, me remeteu muito ao igualmente despudorado O Intruso, de Bruce LaBruce. E esse remeter acaba sendo muito sobre ser o oposto, inclusive. Se no filme de LaBruce o sexo era imposto como uma arma de controle e aprisionamento, no filme de Ricardo esse mesmo ato se assume como a chave da libertação de tantos desejos voluptuosos, carnais, e até onde é válido mostrar o que é mostrado em tela. Em ambos os filmes, o sexo é igualmente estilizado, performático, direcionado a uma catarse sensorial antes do gozo final.
Curioso que, antes do início da sessão na Mostra, a equipe do filme tenha frisado no palco que “este não é um filme sobre sexo, mas um filme de sexo”, num certo temor dos desavisados que poderiam estar presentes na sala sem imaginar as imagens que se desenrolaram em tela. Muitos questionamentos podem surgir a partir deste receio colocado, mas no fim de tudo, unicamente importa o exercício de observação proposto pelos econômicos 70 minutos de projeção, um cinema de sensações que, inclusive, remete muito ao também sensorial (em outra proposta, claro) Elon Não Acredita na Morte, do mesmo diretor.
Nas primeiras cenas, um homem caminha pelas ruas de uma BH noturna, rumo a um destino que não sabemos qual, inicialmente. Logo, novos personagens e rostos surgem fazendo o mesmo, mas desta vez pulando muros, quebrando portas e correntes, enquanto uma trilha sonora “rocker” se manifesta pontualmente naquelas caminhadas. Não sabemos quem são, e tampouco importa, apesar do tempo gasto em apresentar a diversidade daqueles indivíduos. Logo, os brinquedos de um parque de diversões se tornam o cenário de uma série de encontros carnais onde o desejo se materializa através de toques, beijos, penetrações, lambidas e o que mais o sexo permitir. Para a câmera de Ciro Thielmann, o que importa é o sexo como este ato performático, um experimento estético marcado por luzes neons, que abre as portas para diversas manifestações sem julgamentos de como atingir seu prazer e do outro, o erotismo e as sombras se tornam o melhor amigo da câmera, transformando aquele ambiente numa reconfiguração lúdica do que há de mais carnal na diversão adulta. Todos aqueles corpos são como Alice caindo na toca do coelho.
Não é um filme de fácil acesso, claro. Mesmo de duração curta, adentrar esse ciclo de fodas e gozos exige certo desapego do público da chamada narrativa convencional - a dramaticidade reside na performatividade, não no que é dito ou explicitado em palavras, algo oposto ao trabalho anterior de Ricardo Alves Jr., o excelente Tudo Que Você Podia Ser. E claro, não é de se negar que, em dado momento, dá-se a impressão de que Parque de Diversões se limita à carnalidade dos atos. Quarenta minutos já parecem suficientes para entender o ponto do filme, então o que sobra para o resto? É nisto que devemos frisar a existência do cinema também como não só esse exercício de estímulos, mas como um espaço de questionamento para o que vemos em tela, e cada gemido capturado por Ricardo Alves Jr. surge como um reforço a isso. O diretor parece enxergar sua realização como uma ode à dramaturgia do tabu sobre o que é ou não permitido dentro de uma sala de cinema. Não é um filme de faz-de-conta, é um filme de radicalismos, ele próprio um ato de questionamento. E poucas coisas são tão cinematográficas quanto isto.
Cinema que não pede permissão para existir ou se justificar. Cinema que admite seus desejos e impulsos, até mesmo para um homem cego que também quer vivenciar o seu próprio gozo naquele cenário. Nota-se que o sexo não é o fim, mas a mola propulsora da liberdade e do pertencimento. Ricardo Alves Jr., com isto, honra a definição de cinema queer por si só, honra o apelo do cruising como essa rede de encontros sem o ranqueamento dos aplicativos de relacionamento e baladas. Não importa seu nome, sua estética, seu físico. Importa seu desejo e a permissão para que ele exista numa tela grande do cinema. Detesto enveredar por esse caminho, mas Parque de Diversões talvez seja um dos filmes mais políticos dos últimos anos dentro do audiovisual nacional, mesmo que a radicalidade nas imagens pudesse ter ido um pouco além. Mas o aviso da equipe antes da exibição em Tiradentes agora faz sentido: é filme de gente grande, entendam isso como quiserem.
Filme assistido na 28ª Mostra de Cinema de Tiradentes.
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