O ser diferente é um argumento tratado com certa exaustão pelo cinema. O assunto amplo não deve ser deixado de lado tão cedo, pois este ainda garante bons plots e nunca é ruim lembrar a importância do bom convívio coletivo e aceitação pelo outro. É sobre essa ideia que a animação em stop motion ParaNorman (idem, 2012) se desenrola, centrando num pequeno garoto que pode ver e conversar com espíritos, causando estranhamento por onde passa e sendo ignorado na escola e até mesmo em casa, negligenciado por seu poder inusitado. Tal dom, por assim dizer, lhe acarreta uma grande responsabilidade no longa, uma vez ele tem que reconciliar um espírito antigo, que sofreu com a ignorância de outrora e que, atualmente, busca vingança aterrorizando o povo de uma pequena cidade.
Notavelmente delineado como uma homenagem a filmes de horror do passado, marcando a demanda setentista e o gore, esta obra introduz artifícios lógicos do gênero, desde a composição dos personagens clichês em estilo até a preocupação pela estilização de cenário e apresentação nos créditos. Perceba que o filme é esteticamente fascinante. O texto escrito por Chris Butler – auxiliar de Tim Burton em A Noiva Cadáver (Corpse Bride, 2005) – é uma brincadeira eficiente ao ressaltar parâmetros reconhecidos neste universo do horror. Alusões a obras como Poltergeist - O Fenômeno (Poltergeist, 1982), Sexta-Feira 13 (Friday the 13th, 1980) e aos filmes de George Romero não faltam. Com a presença de zumbis levantando das tumbas e uma dita bruxa apavorando através de correntes elétricas no céu, a trama se desenvolve com energia e humor através de caricaturas e acontecimentos dos mais bizarros. Tudo isso sem o maniqueísmo prático, mas outras sugestões mais férteis em defesa das minorias silenciosas.
Norman (voz de Kodi Smit-McPhee) é uma criança que não tem amigos. Vaga sozinho pelas ruas cumprimentando os mortos, como se esses já lhe fossem conhecidos. O trajeto diário é o mesmo. Já os vivos olham o garoto com receio, não trocam nem um bom dia, creditando a ele qualquer loucura por falar sozinho. A cena de abertura, em que o menino caminha de sua casa até a escola, é emblemática, indício da segregação social sofrida pelo que oferece de diferente. Ele sofre com deboches e exclusão. Em casa, na sala enquanto assistes a filmes de terror acompanhado pelo espírito da avó, percebe a descrença de seus familiares a respeito de sua condição. Abrem hipóteses de alguma discussão sobre saúde mental, mas logo isso é abandonado.
A temática assusta num primeiro instante. Um cérebro é esmagado logo no início do filme. Seria de fato uma animação para crianças? A absorção do tema talvez seja custosa para os pequenos, todavia, é divertido, seguro. Que mal podem fazer alguns sustos e um clima mórbido? A exaltação disso pode ir ainda mais longe pela representação de seus bons personagens. Os estereótipos aqui caem bem: a garota do corpo perfeito desesperada, o rapaz musculoso tolo, o gordinho ignorado, o valentão temeroso. Fora os zumbis com características horripilantes, a potencial vilã monstruosa e o protagonista de cabelos arrepiados.
Produzido pelo estúdio Laika, responsável pelo belo Coraline e o Mundo Secreto (Coraline, 2008), o filme sugere morbidez através de figuras e significados explícitos em detalhes. Sam Fell, de O Corajoso Ratinho Despereaux (The Tale of Despereaux, 2008), é quem assume a direção ao lado do roteirista Chris Butler. A dupla realiza um trabalho rebuscado no quesito técnico e corta excessos, objetivando sem firulas a proposta da animação. Algumas piadas falam de morte, e ao falar dela, faz com bom humor. Há quem possa julgá-las de mal gosto. E como não poderiam, uma vez a história da humanidade estar manchada de ignorância com crenças e superstições. É inevitável não nos recordarmos da santa inquisição em determinado ato. E esta lembrança não serve como ponta para alguma piada.
Outra abordagem é o tom de sátira com os filmes de terror. A seu favor, a idealização do bem e do mal subvertidos. O perigo proposto a cerca dos zumbis se arrastando e a garota vingativa como uma versão distante de Carrie - A Estranha (Carrie, 1976) refere-se à falha humana quanto sua moral. São os humanos os responsáveis pelos próprios atos. Neste caso, os acontecimentos da animação são reações aos feitos equivocados do passado. A compreensão dos valores e das diferenças dentro da lógica da narrativa fortalecem as sutis críticas feitas ao homem com ótimas piadas e sacadas inspiradas.
Parece ser um filme adorável, vou tentar ver no final de semana... Junto com Frankeweenie, esse é o "terror para crianças" mais aguardado do ano!