De aliens à Arca de Noe, uma nova tentativa de expandir a ficção sobre o fim do mundo.
Quando comentei o lançamento de Presságio, em abril do ano passado, havia posto na roda através de uma pequena digressão a escassez de novas ideias para lidar com o fim do mundo no cinema. O filme-catástrofe de Alex Proyas, por mais inconseqüente e desastroso que seja, acabou se tornando uma referência na busca por soluções para esta fórmula soterrada por definitivo pelas megalomanias de Rolland Emmerich (2012) e a Pandora de Avatar, de James Cameron - afinal, se a sentença do fim do mundo está dada e os humanos já encontram alternativas para povoar outros planetas, qual a possibilidade de um simples tornado (Twister) ou vulcão (O Inferno de Dante) impressionar o público? É preciso inovar e extrapolar, buscar novas formas de despertar esta curiosidade mórbida pelo medo.
Pandorum, de Christopher Alvart, leva este gosto pela miscelânea alternativa de um Presságio para o espaço, numa espécie de ponto de ligação entre aquele filme e as suposições sobre povoamento de planetas alternativos e de outros sistemas espaciais, a nova balinha de goma das ficções. Tomou, porém, um furo gigantesco de Avatar, já que os mistérios e as suposições deixadas em aberto por Alvart após a resolução de seu filme já foram explorados e redimensionados de maneira grandiloqüente e megalômana pelo sagaz – e levemente auspicioso - James Cameron, que mais uma vez não mediu esforços para dar alguns passos maiores do que a perna - o resultado desse audacioso salto foi aquele que todos nós sabemos.
E, mesmo que não tivesse levado caldinho de Cameron, este Pandorum seria um filme tenebroso pelo simples fato de não ter o menor conhecimento sobre onde estão ou podem estar suas forças e quais as dimensões delas. Existem algumas possibilidades interessantes no meio daquela baderna de filme de horror a la Alien, acessos de loucura cientificados, arca de Noé, monstrinhos extraterrestres gosmentos, exploração de planetas e a salvação da humanidade, mas que não se referem a estes temas, e sim à questão da memória, do lado humano que existe naquela situação, quando homens acordam atirados em uma nave aos poucos vão recordando seus motivos para estarem ali e, especialmente, recebendo de sua cabeça flashes da vida que viviam antes disso, com mulheres, filhos, cachorros e etc em um mundo que, naquele momento, encontra-se devastado pela burrice humana.
Uma pena, porém, que o diretor seja apenas um operário de tiques óbvios sem o menor cuidado com a imagem e seu peso diante dessas cenas-chave, especialmente aquelas sobre seus homens - e de todas as outras, na verdade. A câmera de Alvart sofre do mal que atinge a uma grande parcela de realizadores. Ela se basta pelo registro, por filmar o encenado, quando na realidade, no cinema, sua função deve dizer muito mais respeito à expressão. Para Alvart, captar a ação de um ângulo favorável ao seu registro íntegro vale muito mais do que pensar no tempo da imagem antes do corte (incrível como nesses filmes todos os planos parecem ter a mesma duração), a edição serve para deletar aquilo que não for útil à progressão da ação e dar “agilidade” pro filme (o que se confunde com cortes e troca de ângulos que buscam se aproximar da velocidade da luz), e os atores são filmados apenas para mostrar o necessário para que a história ande.
Como Alvart também não é Bigelow para fazer da ação um princípio para outras observações o resultado é um filme tão profundo quanto um CGI de vídeo-game, que não consegue expressar coisa alguma em momento nenhum. A comparação com os games, aliás, pode ser feita de diversas formas durante o filme, que por nada é produzido por Paul W. S. Anderson (responsável por adaptações de Mortal Kombat e Resident Evil e que dirigiu um filme parecido e superior a este, O Enigma do Horizonte, que de todo modo também não é bom). Pandorum segue, inclusive, a mesma estrutura narrativa de um jogo (apresentação, escolhe personagem, pega um objetivo específico que é guiado por alguém de uma cabine, descobre onde executá-lo, vai pra lá, passa por desafios no caminho até chegar ao local, executa e the end), com direito a elipses que parecem mesmo ter saído de um jogo tamanha a sua disfunção narrativa (servem apenas pra pular o tempo “de espera”– vai entrar na sala, encosta na porta, corta e tá lá dentro; imaginem um filme inteiro obcecado por podar “arestas”).
Os jogos, no entanto, costumam ser mais criativos do que isto, e ao menos oferecem interação. Já Pandorum é um CGI de quase duas horas que não nos possibilita nada, nem mesmo uma eventual escapadinha na função skip – que seria uma benção enorme em diversos momentos.
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