Qual a ligação entre os trovadores provençais e a música popular brasileira?
(Cobertura do Festival do Rio 2008)
Numa investigação antropologicamente poética, Palavra (En)Cantada tenta traçar o caminho que levou a música popular brasileira e a poesia a caminharem juntas na prática dos mais conhecidos compositores nacionais.
Dando poder à oralidade e assumindo a sua importância fundamental no desenvolvimento da cultura brasileira, a nossa música popular é apresentada neste documentário como espaço de fusão ou de transposição da cultura letrada às classes menos privilegiadas (e vice-versa), explicando a importância dos cancioneiros e repentistas, cujo passado remete aos trovadores da Idade Média, período histórico no qual música e poesia estavam unidas na composição de crônicas da vida cotidiana instrumentalizando assim o homem comum com uma forma de apreensão do mundo, ou seja, de conhecimento.
Do rap à bossa nova, passando pelo movimento da Tropicália, Helena Solberg entrevista nomes consagrados como Maria Bethânia, Chico Buarque, Arnaldo Antunes, Lenine, Adriana Calcanhoto e Tom Zé, conhecidos por sua intimidade com a língua portuguesa e pela maneira como usam e resignificam a linguagem e a poética em suas canções.
O conjunto das entrevistas apresenta uma explicação possível para o pouco sucesso da cultura livresca num país em que a leitura ainda é uma prática deslocada do cotidiano e na força da oralidade como forma de observação e análise da realidade. A partir disso, discorre sobre o papel decisivo que a música desempenhou como veículo para a troca e documentação dessas impressões, que obviamente não poderiam ser registradas sob a forma de livro.
Assim é que se apresenta o desenvolvimento das correntes e estilos musicais brasileiros como reflexo dessa prática popular e suas influências, tanto na literatura como no teatro, alcançando também as novas gerações de artistas.
Politizando a prática dos compositores populares, desconhecidos ou ícones, Palavra (En)Cantada têm seu maior mérito na força do conteúdo, amplificando o significado de algo tão trivial quanto ouvir música e pensar sobre ela, e mostrando a importância histórica de um dos legados culturais mais ricos de nossa sociedade. Quanto à forma, no entanto, o documentário usa expedientes consagrados deste tipo de documentário, mesclando entrevistas e imagens de arquivo sem grandes experimentações, mas também sem grandes pecados. Vale pela pesquisa e pela resignificação de algo tão banalizado quanto falar e pensar sobre isso.
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