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Críticas

Cineplayers

Em busca de um propósito.

1,0
Sair da sessão e pensar em pelo menos um motivo para algo como Paixão Obsessiva ser produzido (que dirá visto): tarefa vã. Lá se vão 30 anos que um filme de intenções similares chegou às telas e revolucionou - de alguma forma - a forma conservadora na qual era ainda visto o papel da mulher na sociedade, servil e obediente em filmes de grande porte. Alex Forrest era uma executiva ativa e impositiva não apenas profissionalmente: ela teve Dan, um homem casado, e não aceitaria ser tratada como 'pulada de cerca'. Ainda que vilanizada, Alex era mais que um alerta do sinal dos tempos, ela era um holofote. Provavelmente hoje Atração Fatal está ultrapassado em ideia e em cinematografia, mas o hit de 87 nas bilheterias e nas premiações mandaria ao mundo um recado forte: a mulher tem o direito de lutar pelo que quer. E isso ficou, junto com a espetacular performance de Glenn Close. Todo o resto foi diluído por um sem número de longas onde mulheres brigavam com outras por homens, indo de A Mão que Balança o Berço até o relativamente recente Obsessiva, onde a estrela Beyoncé arriscava perder o marido para Ali Larter. 

Corte: 2017. O mundo ainda precisa assistir a duas mulheres brigando por um homem? Jura? Pior, uma mulher jovem, linda, rica, bem sucedida, invejada, arrastando corrente e perdendo a sanidade (que será adiante reduzida a pó numa daquelas revelações bem cretinas de roteiro), que é ao menos uma vez aconselhada por sua mãe a fazer o óbvio, "viva sua vida", mas prefere lutar por um homem que não a ama há muitos anos. Bom, a mensagem que os ainda mais machistas anos 80 queria passar já foi assimilada (muito aos poucos, e não por todos), então o que restou para esse filme? Já sei: ser BEM ruim! Só que essa resposta não é a que o filme quer nos dar. 

Na ânsia de melhorar algo que só funcionaria (se funcionasse!) como sátira, ou chafurdando com os dois pés na ruindade e recheando o filme com diálogos nonsense e mexicanos nível A Usurpadora e situações estapafúrdias, a estreia da renomada produtora Denise Di Novi na direção decide apostar que tudo daria certo ao final, e um belo filme nasceria de uma premissa tão batida, antiquada, careta e rasa. O resultado não poderia ser mais óbvio: Paixão Obsessiva é um filme absolutamente dispensável, e isso é o que de mais carinhoso tenho para falar sobre ele. Perdemos a oportunidade de ver um filme muito brega, muito cafona e que poderia brincar com a eterna rivalidade entre mulheres bebendo em outras fontes e propondo discussões sobre o machismo enraizado ainda hoje na sociedade que destrói a própria sociedade (um beijo bem grande para você que é um gênio, sr. Verhoeven, que há 20 anos nos deu a obra-prima Showgirls, sobre isso tudo e muito mais), e ficamos com um filme que nasceu velho, pobre de narrativa e de condução, com a irrelevância impressa em cada fotograma. Servirá para quem procura passatempo ligeiro? Não deveria, já passamos do tempo que qualquer coisa que nos é empurrada goela abaixo desce sem reflexão ou análise.

No elenco, Geoff Stults. Sim, vocês o conhecem tanto quanto eu, apesar de ter 17 anos de participações em series das mais variadas categorias. No papel da mocinha, Rosario Dawson. Ok. E como é a encarnação atual do que um dia representou Alex Forrest, Katherine Heigl. Convenhamos... Glenn Close. Katharine Heigl. Entenderam? É, não dá. Na falta de qualquer aspecto construtivo para embasar o texto sobre um filme tão despropositado e equivocado em mensagem e completamente inexistente enquanto cinema (meu Deus, o que Caleb Deschanel faz fotografando isso?), resta alertar leitores e amigos sobre os perigos de encarar todo e qualquer lançamento cinematográfico e embalar o escapismo num papel de pão, como se as emoções baratas não devessem ser respeitadas ou dignificadas. Vocês já foram ver 'Vida'? Então...

Enquanto escrevo esse texto lembro que Denise di Novi, lá atrás, produziu 4 petardos para Tim Burton, Edward Mãos de Tesoura, Batman Returns e os dois maiores Burtons, O Estranho Mundo de Jack e Ed Wood; após isso só caiu, e atualmente vem produzindo praticamente todas as adaptações de livros de Nicholas Sparks. Agora, estreia na direção desse longa triste e sem qualquer sabor, um filme que poderia ter sido exatamente o contrário, deliciosamente afetado e canalha. Conseguiu ser só desimportante.

PS: a nota abaixo é para o último plano do filme, a prova de que tinha uma gênese cretina 

Comentários (1)

Angélica Valeze | sábado, 29 de Abril de 2017 - 12:57

Quando vi o trailer do filme, foi exatamente a primeira coisa que me veio a cabeça, "porque estão produzindo um filme, em pleno 2017, que mulheres estão brigando por um homem?". Mulher está bem sucedida e de aparência bonita de tão padrão. Não vi o filme mas a crítica aqueceu meu coração para não ver, eu achei que poderia ter sido uma 'problematização' da minha cabeça, mas acabo de perceber que foi um pensamento lógico mesmo... Poderia ter havido uma crítica a esse comportamento e de quebra demonstrado como o cenário evoluiu e mudou dos anos 80 pra cá, mas aparentemente a produção do filme preferiu manter uma visão antiga e nojenta sobre as mulheres... Chateada e ao mesmo tempo aliviada por ter lido está crítica ♥

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