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Críticas

Cineplayers

Seth Angel conferiu o mais novo trabalho de Mel Gibson e aprovou a polêmica produção.

9,0

Sinceramente falando, finalmente toda a espera e expectativa ao redor da mais nova produção de Mel Gibson chegara ao fim. No início dessa semana foi revelado ao público sua mais nova e polêmica obra: a visão do diretor a respeito das doze últimas horas da vida do mais importante personagem bíblico por tantas vezes citados em diversas fontes, Jesus de Nazaré. O filme, como todos já sabem, causou muita polêmica antes mesmo de ser lançado por ter sido taxado de anti-semita, entre diversas outras coisas. Isso é um dos pontos que discutiremos mais adiante.

No que tange a lucrabilidade de A Paixão de Cristo, Mel Gibson tem mil e um motivos para estar rindo à toa. O filme, que quase não teve marketing próprio por parte da produtora e da distribuidora, está tendo uma campanha avassaladora nas bilheterias de todo o mundo, conquistando semana após semana a primeira colocação de quase todos os tops globais. Gibson, que por sua vez investiu na produção grande parte de seu próprio capital, deve ficar com cerca de 70% da arrecadação liquida da película e, contando que a performance do filme está indo da água para o vinho, talvez esse seja o melhor investimento pessoal com retorno financeiro que um ator/diretor em Hollywood já tenha conseguido.

Mas você deve estar se perguntando então: “De onde vem tanta propaganda, então?” Simples. Grande parte desse marketing todo causado ao redor do filme é totalmente gratuito, sem nenhum ônus para a Icon Productions ou para a distribuidora. O filme vem se fortalecendo cada vez mais por trazer um tema bem delicado aos cinemas e por também atitudes banais que só aumentam a curiosidade do público geral, como são os casos de milhares de pessoas tentando impedir a exibição de A Paixão de Cristo, ameaças aos atores e diretor... Enfim, bobagem que sem dúvida alguma economizou uma boa grana para a equipe técnica de Gibson com marketing.

A Primeira Metade de A Paixão de Cristo

Mas chega de falar de números e marketing em si e vamos direto ao filme. Como já fora dito antes, retrata de forma cinematograficamente bela e assustadoramente chocante aquelas que seriam as últimas doze horas na vida de Jesus de Nazaré. O primeiro fato que podemos observar e extrair do filme é que ele se subdivide muito bem em duas partes nada idênticas. Na primeira, o diretor nos mostra uma breve introdução da história que seria contado ao longo do aprisionamento de Jesus. Essa é com certeza a melhor parte do filme, historicamente falando. Não sei quanto a você, caro leitor, mas para mim, chicotadas atrás de chicotadas não são o bastante para me emocionar. Agora, uma história bem estruturada, muito bem narrada e com uma edição melhor ainda e que saiba tirar vantagem da ordem cronológica dos eventos mostrados, isso sim, prende minha atenção como nada nesse mundo. E isso é o que a primeira metade da produção traz de melhor.

Pouco a pouco vamos retratando e falando sobre todos os personagens extremamente bem caracterizados e magnificamente interpretados que cercam esse rico universo recriado por Mel. Desde já adiantamos que o filme realmente tem uma carga emocional extremamente forte. Você percebe isso a partir dos primeiros minutos de atuações pra lá de dramáticas e seqüências excessivamente pesadas, emocionalmente falando.

O primeiro de muitos personagens a ser aqui comentado é praticamente uma figura mitológica conhecida por todos como Satanás, interpretado pela atriz Rosalinda Celentano. É impressionante ver como Rosalinda ficou bem no papel. É até mesmo esquisito escrever isso. A caracterização ficou simplesmente marcante e provavelmente jamais sairá de minha cabeça (o filme possui muitos trechos a serem relembrados sempre, não só a violência empregada). Essa criação e solidificação de “alter-egos” em filmes como esse acabam apenas por dar um ar muito mais místico e interessante a história, podendo ser vista de várias perspectivas. Outro ‘alter-ego” que fez bastante sucesso foi o de Dustin Hoffman, interpretando a consciência de Joana D’Arc em The Messenger: The Story of Joan of Arc, outra interpretação perfeita em conjunto realizado por Mila e Dustin.

Depois da representação do demônio em carne viva, o coadjuvante que mais chama atenção é o famoso Judas, discípulo que entrega e traí Jesus por algumas peças de ouro, arrepende-se e depois suicida-se. Luca Lionello, que interpretou Judas, acabou saindo-se bem em praticamente todas as tomadas, esteve seguro repleto de insegurança, exatamente como seu personagem manda. Mesmo quando Judas está fazendo o ato da denúncia vemos já um certo contrapeso, um remorso aparente que mais tarde viria a corroer o personagem, levando-o a morte.

Passado Satanás e Judas, sobram Maria – mãe de Jesus (Maia Mogenstern) e Madalena (Monica Bellucci, de Irreversível e Matrix Reloaded). As duas talvez carreguem uma cruz tão grande e forte quanto Jesus durante o filme, afinal, suas personagens não vivem um minuto sequer de alegria durante o filme inteiro (exceto por um pequeno e engraçado flashback onde Jesus e Maria esnobam de um nobre que pedira para que o carpinteiro produzisse mesas altas com cadeiras, coisas incomuns àquela época) e vivem sempre apreensivas e às lágrimas. Mas mesmo assim, não há como deixar de lado ou simplesmente não citar toda beleza de Mônica Bellucci, que mais uma vez está estonteante em cena. Nem em A Paixão de Cristo ela escapa desse tipo de comentário.

Trocando em miúdos, essa é a primeira parte da produção de Mel Gibson: uma história forte, narrada com muita competência, atuada por um elenco talentoso e contando com uma direção de arte que não deixa nada a desejar. O filme seria perfeito somente se não tivesse cometido alguns pequenos deslizes a serem comentados a seguir e mantivesse o mesmo ritmo que Gibson impôs a produção, mas infelizmente isso não é mantido. Entretanto, o nível da obra permanece alto.

A Segunda Metade de A Paixão de Cristo

Se a primeira parte tende a mostrar da forma historicamente mais convincente possível a história que precedeu a crucificação de Jesus de Nazaré, mostrando seus personagens e o universo envolto numa série de questões deixadas em aberto pelo diretor, a segunda parte da produção se esforça para chocar, emocionar e revoltar o público com o sofrimento pelo qual Jesus passou em sua longa caminhada até o lugar de sua crucificação. E é justamente aqui, nessa parte do filme, que pesam a maioria das acusações que atingem Gibson e a equipe técnica do filme. Ter um estomago forte é um requisito para lá de necessário para que você possa aproveitar bem essa segunda parte da produção.

Tecnicamente falando, e que Deus me perdoe por isso, o espancamento de Jesus de Nazaré é cinematograficamente perfeito, brilhante, absurda e assustadoramente real. Uma das seqüências mais fortes e foto-realista que já vi em toda minha vida. Se a intenção de Gibson era chocar, pelo grau de violência ou pela carga emocional (leia-se “revolta por parte dos cristãos”), certamente ele conseguiu o que queria.

Mas ao mesmo passo que o filme ganha em impacto visual, ele perde bastante mesmo em sua narrativa, que por minutos e mais minutos acaba desaparecendo, sumindo mesmo, sem mais nem menos para dar lugar a horas de espancamento humano. Antes que me perguntem, não, não achei o grau de violência adotado por Gibson uma coisa de outro mundo, apenas acho que o filme poderia ter seu ritmo balanceado novamente se o diretor optasse por reduzir o tempo de projeção dessas seqüências. Entretanto, sem que elas perdessem seu caráter de forte impacto e o alto grau de violência. Certamente isso seria possível, afinal, ficar assistindo surra atrás de surra uma hora cansa. Em especial chamo atenção para seqüência em que Caviezel apanha primeiro com umas varetas e depois com alguns instrumentos de tortura por seus algozes. Seqüência essa cinematograficamente perfeita, porém, demasiadamente longa, apenas citando como exemplo do que quis dizer logo acima.

Entretanto temos alguns outros quesitos que jogam o filme para cima novamente, positivamente falando. Talvez a mais óbvia de todas elas seja justamente a brilhante, magnífica e estupenda atuação de James Caviezel. Não há muita coisa o que dizer além de uma frase como: “digna de um Oscar”. Jim está convincente de sobra, ajudado por um trabalho técnico de maquiagem perfeito, impossível deixar de admirar. Nicole Kidman em As Horas, Charlize Theron em Monster - Desejo Assassino e toda equipe de O Senhor dos Anéis (os três filmes citados são excelência em maquiagem) que me desculpem, mas o trabalho aqui realizado com James Caviezel ultrapassa a barreira do real, é simplesmente incrível. Um trabalho minuciosamente perfeito.

Quanto ao roteiro, bem... É claro que eu não estou aqui para julgar se o que foi mostrado ali na obra de Gibson é o que de fato ocorreu ou não, isso seria loucura e, além do que, só incitaria discussões banais a que já tanto ouvimos a respeito do filme. Agora se você tomar a Bíblia como uma obra literária que é passada à sétima arte (como outra obra qualquer, como a de Tolkien, por exemplo) então temos aí mais um ponto positivo a favor de A Paixão de Cristo.

Repito mais uma vez, a veracidade dos fatos escritos na Bíblia gera polêmica até hoje, mas tratando a relação “livro-filme” como um processo de transcrição e criação genuína, então temos aqui outro grande feito alcançado por Mel Gibson. O diretor foi quase perfeito em todos os momentos que exigiam cuidados a retratar certos detalhes da produção. Certamente senti um gelo na espinha quando o diretor recriou como sempre pensei a passagem bíblica em que Madalena limpa o rosto de Jesus. Nem mesmo isso Gibson deixou escapar. Sua atenção por detalhes é notável, somente superada por Peter Jackson.

Outra passagem muito bem retratada pelo diretor envolve um seqüência bem maior e que exigia praticamente o triplo de cuidado. A seqüência ao final da crucificação, em que um dos coadjuvantes que está sendo crucificado declara que Jesus não tinha culpa alguma por estar ali, mas que ele sim merecia pagar por seus pecados. Era uma seqüência que tinha tudo para ser pobre e altamente clichê para nossos padrões, entretanto, fluiu de maneira bem suave, alavancada de boa forma através da realidade demonstrada pelas expressões bem demonstradas nos rostos de todos aqueles que participaram da seqüência e bem mantida através do bom dialogo, e da boa interação entre Caviezel e o coadjuvante em questão.

Ah sim, não poderíamos deixar de ressaltar que o fato do filme ser praticamente todo falado em Aramaico dá um ar de originalidade absurdamente grandioso à película. Não é todo dia em que vemos uma produção com tanta capacidade assim para se dar ao luxo de manter até mesmo os diálogos nesse padrão, mais um ponto a favor para toda a equipe.

Apenas finalizando gostaria de acrescentar que, apesar do filme possuir um tema forte e muitas cenas violentas, espero que ninguém tenha ficado ofendido com a crítica. Caso sim, me desculpem, não era esse o objetivo. Sou católico sim, mas apesar de tudo, assistir A Paixão de Cristo não foi uma experiência que tenha me deixado com certo sentimento de dó de absolutamente nenhum cristão ao redor mundo; assim como nenhum filme a respeito do holocausto me deixou com pena de judeu algum. Todos temos nossos pecados e cada um sabe como melhor remediá-los. Vale lembrar que, no final das contas, todos viemos do mesmo “buraco”.

Mas o filme é anti-semita? Pessoalmente não achei nenhum pouco; e acredito que essa não tenha sido também a intenção de Gibson, afinal, seu próximo trabalho é justamente a respeito de uma das revoltas mais famosas lideradas por judeus em tempos passados. O diretor mostra mais uma vez (assim como mostrou plenamente em Coração Valente) que sua sede por história e a busca por novas formas e teorias historiográficas é maior do que qualquer coisa. Basta olhar para as produções em que o diretor concentra sua atenção. Fica aqui, então, grande parte do mérito desta bela produção nas mãos de Gibson que, ao longo das filmagens, enfrentou vários problemas dos mais variados tipos. Também não me interessa nenhum pouco se a mensagem que originalmente Gibson queria mostrar era o “amor” em si da história e acabou mostrando algo muito violento. Não estou aqui para fazer comparações, não desta vez. Como já disse por diversas vezes: devemos julgar um filme por aquilo que ele realmente é, e não por aquilo que ele deveria ser.

E A Paixão de Cristo é um filme fabuloso, forte e foto-realístico que retrata de forma visualmente jamais vista as últimas doze horas da vida de Jesus de Nazaré, esse personagem bíblico tão intrigante que inspira ao mesmo tempo tanto ódio e amor até mesmo em dias atuais. Uma brilhante e fiel adaptação de algumas passagens da Bíblia (obviamente muita coisa ficou de fora). Agora, isso também é muito relativo, você a considerará uma fiel adaptação se considerar a Bíblia como uma obra de ficção adaptada aos cinemas. Do contrário, cairemos todos no mesmo ponto: “Acreditar ou não acreditar, eis a questão”. Ao final das contas, o filme pode servir também como uma grande e profunda reflexão para muita gente. Com certeza terá mais impacto para os cristãos, mas será praticamente impossível sair indiferente em relação ao filme, tema e diretor após uma sessão de A Paixão de Cristo.

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