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Críticas

Cineplayers

Drama pouco visto é outro trabalho magistral de Bergman.

8,0

Com mais uma Anna como protagonista neste belo drama, Ingmar Bergman desenvolve um grande texto sobre os relacionamentos humanos e seus protagonistas que, com tragédias pontuando suas vidas, se tornam destinados a nunca terem estancadas as feridas que levam consigo. Em uma simples premissa, somos apresentados a Andreas, que vive sozinho até ter sua rotineira vida alterada por Anna, que o conhece quando pede emprestado seu telefone. Por ter esquecido sua bolsa, Andreas volta a encontrá-la e passa a então se relacionar com ela e com o casal que a abriga, descobrindo os prazeres e os problemas presentes em um novo envolvimento romântico.

Este filme de Bergman em particular não abusa de seu simbolismo costumeiro, como o diretor sueco apresentou em clássicos como O Sétimo Selo ou mesmo em sua trilogia do silêncio, porém analisa de forma esmiuçada toda a psique humana envolta na necessidade de afeto, como o diretor aponta em diversos momentos de sua trama. Deixando de lado suas indagações religiosas, Bergman tece um drama mais humano, porém não deixa de lado questionamentos comuns à seus filmes, como o lugar de cada um, seja na sociedade, seja dentro da própria família. De forma sutil, mas bastante inteligente, Bergman utiliza a morte sacrificada de alguns animais em sua história como metáfora para o ressentimento de seus personagens por casos do passado.

Andreas em alguns momentos parece estar ao lado de Anna para acabar com o sofrimento desta, uma vez que percebe ter o dom de acalentar suas tristezas. Em determinados momentos acreditamos em sua felicidade, mas logo este se toma de lembranças e se envolve em pensamentos transpostos em belos monólogos sobre sua atual condição, que o faz feliz, porém o confunde e o entristece em outros momentos. Anna, por sua vez, entende Andreas exatamente como ele se mostra para ela, como uma possibilidade de viver novamente, apagando os fantasmas de seu passado. E se nos poucos momentos no início do filme em que o vemos com Eva acreditamos na sua intenção de possuir um relacionamento com esta, podemos interpretar que o mesmo enxerga em sua nova vida, dividindo sua morada com Anna, uma comodidade.

Interrompendo a trama em um total de quatro vezes, Bergman utiliza-se de um artifício pouco usual no cinema, quando inclui o que nomeia de ‘interlúdios’, onde cada um dos quatro atores principais, um por vez, analisa seu personagem em um pequeno momento. Essas cenas não acrescentam muito à narrativa do filme mas, por serem relatos verdadeiros, instigam o espectador a prestar maior atenção aos detalhes analisados pelo elenco, uma vez que os atores imersos em seus papéis conhecem a fundo seus personagens e as intenções dos mesmos. Tais cenas também, curiosamente, não quebram o ritmo do filme ou o tornam desinteressante.

Três grandes nomes consagrados por filmes do diretor estão presentes em A Paixão de Anna: Max von Sydow, Liv Ullmann e Bibi Andersson. O primeiro, como Andreas, desenvolve seu personagem inicialmente como um homem triste e sofrido, consciente de sua solidão, que muda aos poucos quando encontra em Anna uma parceira. Liv Ullman, com seu olhar incrivelmente expressivo, destaca-se facilmente por tecer em Anna uma persona maleável, caracterizada por sua fragilidade. E por fim Bibi Andersson, que coadjuva como Eva, encanta com a força de sua atuação mesmo nos pequenos momentos do filme em que aparece.

O roteiro de Bergman neste filme duela pelo posto de principal atrativo juntamente com diversos outros elementos, como sua própria direção, a natural desenvoltura do mesmo para dirigir seu elenco, o já citado empenho dos atores e, como não poderia deixar de ser mencionado, a estupenda fotografia de Sven Nykvist. O colaborador habitual de Bergman mostra em A Paixão de Anna uma capacidade técnica imensa, tão inteligente na utilização de sombras, cores e detalhes, que chega a emocionar qualquer amante da sétima arte, também facilmente amante dos filmes de Bergman. É fantástico perceber o empenho e aptidão dos dois mestres que transpuseram todas as suas respectivas capacidades advindas do cinema ainda preto-e-branco para o cinema a cores, e as aperfeiçoaram ao longo do tempo.

Por fim, A Paixão de Anna figura dentre os filmes menos otimistas de Bergman, em sua jornada para retratar a alma humana no cinema. O sueco não deixa esperança para os personagens que criou e o pouco que se pode esperar para os mesmos se esvai ao longo do filme, até seu final, que não poderia ser mais amargo e pessimista. O filme acabou se tornando esquecido dentre a laureada filmografia de Bergman, também por ser ofuscado por outros de seus trabalhos, produções em alguns casos até menores. O filme, até então, não foi lançado comercialmente no Brasil, o que é uma pena, pois é inspiradamente outro grande trabalho do diretor, que obrigatoriamente merece ser mencionado e figurar dentre outras magistrais obras deste já falecido mestre.

Comentários (1)

Eliezer Lugarini | terça-feira, 29 de Março de 2016 - 12:26

Como assim os interlúdios não tem função narrativa? É a principal simbologia do filme.

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