Mesmo que divertido, é provavelmente a pior adaptação de Philip K. Dick para o cinema.
Philip K. Dick é um escritor popularizado por Hollywood. Suas histórias, sejam elas contos ou romances completos, são levadas ao público sempre através de filmes no mínimo interessantes, a maioria deles obtendo sucesso comercial e/ou crítico. O filme mais famoso baseado em sua obra é Blade Runner, que foi lançado como um absoluto fracasso e hoje é uma das ficções científicas mais cultuadas de todos os tempos. Minority Report - A Nova Lei, por outro lado, é um grande sucesso tanto crítico como comercial. Ainda temos outros filmes que complementam o conjunto de adaptações cinematográficas de sua obra, como Impostor (considerado o mais fraco deles) ou ainda O Vingador do Futuro. Infelizmente, O Pagamento é talvez o pior de todos esses filmes.
Obviamente, a culpa não é do genial autor, e sim dos produtores que, ao escalarem um diretor como John Woo para o projeto, sabiam que estariam priorizando as cenas de ação ao invés do correto desenvolvimento da história, que só consegue ser realmente interessante até perto de sua metade. Após tomar Hollywood de assalto com A Outra Face, em 1997, o diretor mostrou-se um grande criador de cenas de ação, tanto que seu Missão: Impossível 2 teve sua história criada em cima das cenas de ação, ao invés do contrário, como normalmente acontece. Enfim, o ponto é que esse estilo pode ser interessante para filmes de roteiro "burro", mas ao adaptar uma história interessante de ficção científica para as telas, o bom seria priorizar a história. Em Minority Report, por exemplo, Spielberg conseguiu criar um filme com ação intensa mas com uma história ainda mais interessante que ela, baseada na obra do mesmo autor.
O conteúdo de O Pagamento é facilmente identificável para quem conhece outros filmes baseados na obra do autor, seguindo a mesma linha de utilizar paradoxos temporais para confundir os personagens e, claro, o espectador. Foi assim em O Vingador do Futuro e em Minority Report. Mas toda essa história é mais explorada na metade inicial, para depois ser praticamente esquecida entre cenas de ação desinteressantes e repetitivas (a verdade é que em época pós-Matrix é preciso muito mais do que o apresentado aqui para impressionar).
Ben Affleck, em um período que sua carreira começa a escorregar, após a superexposição na mídia com Jennifer Lopez, consegue manter um bom pique como Michael Jennings, um mestre da Engenharia Reversa (pegar uma idéia já executada ou pronta, desmontá-la, e melhorar o produto). Seu método de trabalho é bem peculiar: contratado para fazer qualquer serviço, após sua execução, ele tem todo o período de sua realização apagado de sua memória por seus contratantes, para esquecer os segredos da produção. Os problemas começam a ocorrer quando ele aceita um serviço misterioso, que será realizado a partir de uma máquina ainda em fases de testes do governo. O filme é cortado logo para o período após o serviço estar pronto, quando a mente de Jennings já está apagada, o que quer dizer que o espectador fica sabendo o mesmo sobre o serviço que Jennings sabe: nada.
A partir desse momento o roteiro começa a desmoronar: Jennings percebe que deixou pistas para si mesmo referente ao seu serviço, sabendo que algo estava errado e teria que relembrar dos detalhes após perder a sua memória do período, e logo ele descobre o significado dessas pistas, e então deve fugir desesperadamente de seus inimigos, que sabem que ele pode estar lembrado do valioso segredo. Ajudando na sua fuga está a doutora Rachel Porter, interpretada por uma Uma Thurman bem sem graça, principalmente por causa da limitação do seu papel, só servindo de apoio para a realização das escapadas e proezas do personagem de Affleck
O problema central do filme é que todo o conceito é muito interessante, mas é apenas sub-aproveitado. Jennings resolve muito rápido seu problema, descobrindo a função das pistas que deixou para si mesmo muito rapidamente, o que acaba simplesmente estragando qualquer elemento de suspense e tensão que o filme possuía. Antes, era uma história interessante e bem desenvolvida; depois, é apenas uma grande cena de fuga, com nenhuma tomada especificamente interessante. Mesmo o final, que geralmente é um dos pontos altos dos filmes baseados no trabalho de Philip K. Dick, é bobo e desinteressante.
Para quem gosta de um filme movimentado e com uma boa história, e só quer saber de um pouco de diversão, O Pagamento, mesmo com seus problemas, ainda é altamente recomendável. Se por um lado o roteiro simplifica tudo após a metade, por outro o filme torna-se mais acessível para o grande público, que não gosta de fritar a cabeça tentando desvendar os mistérios dos acontecimentos. O filme conta ainda com uma ótima fotografia e boa montagem do cenário futurista, obviamente não tão encarecida quanto a encontrada em Minority Report, até porque aqui a história se passa em um futuro bem mais próximo. Affleck, mesmo canastrão como sempre, consegue convencer um pouco. Finalmente, sobre a direção, pode-se dizer que mesmo que John Woo já tenha feito trabalhos muito mais intensos em termos de ação, pelo menos o diretor não comete grandes erros. O saldo final é positivo, mas não espere um novo cult de ficção científica.
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