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Críticas

Cineplayers

A extinção da ternura.

8,0
Gummi e Kiddi são irmãos e vizinhos que moram numa pequena comunidade na Islândia, criando caprinos. Eles não se falam há mais de quatro décadas. Usam um cão de estimação para se comunicarem, quando necessário. Solitários, convivem com o clima gélido e com a pacatez de uma vila onde nada acontece. A diversão anual diz respeito a uma competição de ovelhas, as quais os irmãos participam e se rivalizam. Quando um dos animais é diagnosticado com scrapie, uma doença contagiosa e devastadora, autoridades ordenam que todos os bichos sejam sacrificados. A partir daí, acompanharemos uma terna fábula sobre a existência.

Grímur Hákonarson é um cineasta que rege um filme através de frações. Perceba como este dirige, empregando diferentes sentidos e articulando predileções que vão do humor austero ao drama acentuado em curtos espaços de tempo. Note que cada plano deriva de um sentido: ele quer explorar a solidão, mostrar distanciamentos, exprimir a extinção de um povo e salientar o apego. As ovelhas quase funcionam como entes aos homens que nada têm e que dedicaram a vida aos animais. Perceba que as barbas e cabelos embranquecidos de ambos assemelham à pelagem dos bichos, como naturalmente também representam o envelhecimento e dialogam com a coloração nevada daquela terra.

No desenrolar da história, algumas ações entre os irmãos chamarão atenção. Discorreria algumas dessas ações com detalhes, mas comprometeria você, leitor, devido aos spoilers que trataria. Veja, nada no filme está aquém do arco dramático tratado. Não há gorduras ou planos vazios. No isolamento, a beleza local tomada por neve parece grandiosa demais para ser devidamente capturada pela fotografia. É como se aquele espaço fosse esquecido no mundo, a espera de mais uma nevasca para ser coberto e encerrado. Enquanto metáfora de resistência, assistiremos à vida de dois velhos e dos poucos restantes que ainda vivem por ali.

Há poucos diálogos nessa história que ruma para uma extinção. O roteiro busca ações, acompanha os dois homens como se documentasse a vida de ambos devotados às criações. Em alguns pontos, vão além do mero olhar sobre a intimidade de cada um, dentro de suas casas. É aí que ambos os personagens ganham dimensão. Entendemos a conveniência de seus atos, do quanto a solidão reverbera em seus costumes, cientes de que são, juntos, um fim. E perceba, não importa seus passados, mas o presente que vivem rotineiramente, até que um mesmo mal assola ambos, obrigando-os a resistirem juntos.

O dilema pode ser entendido como uma saga dupla, quando estes tentam evitar que seus animais sejam sacrificados. Até esse momento, tínhamos uma concepção específica sobre a história e sobre cada um dos irmãos. O que surpreende no roteiro é a imprevisibilidade dos comportamentos de Gummi e Kiddi. Situações extremas os envolvem, até o ponto em que a ternura enternece de um modo comovente. O final de A Ovelha Negra é de fato tocante e enternecedor. Os meios usados para se chegar a esse final são imprevistos e bem conduzidos pela firmeza narrativa de sua história; e pela precisão dramática de seu realizador.

Visto durante a 39ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

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